MISA Moçambique insurge-se contra censura a jornalistas
8 de abril de 2024O Instituto moçambicano de Comunicação Social da África Austral (MISA) repudia, de forma veemente, a atuação do assessor de imprensa do Presidente da República (PR), Arsénio Henriques, que, no passado dia 4 em Maputo, teria impedido jornalistas de fazerem a cobertura de uma reunião da Associação Nacional dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLN), um dos órgãos sociais da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) no poder.
Tudo começou quando Óscar Monteiro, membro da ACLLN e veterano da luta de libertação nacional, exigiu ao presidente da FRELIMO, Filipe Nyusi, a inclusão na agenda da reunião que antecedeu o Comité Central de um debate sobre os pré-candidatos do partido para as eleições presidenciais deste ano.
De acordo com MISA Moçambique, Arsénio Henriques, antigo jornalista da STV, agora adido de imprensa do Presidente da República, interferiu, grosseiramente, no trabalho dos repórteres convidados e credenciados pelo partido para a cobertura do evento. O assessor terá ordenado a retirada imediata de todos os jornalistas que se encontravam na sala, depois dos pronunciamentos de Óscar Monteiro.
Em entrevista à DW África, Ernesto Nhanale, diretor executivo da organização não-governamental, repudia a atuação do assessor de Filipe Nyusi. Nhanale insurge-se contra este e outros episódios que condicionam o trabalho dos jornalistas e colocam em causa a liberdade de imprensa em Moçambique.
DW África: O que acha desta postura do adido de imprensa do Presidente da República, de interferência no trabalho dos jornalistas?
Ernesto Nhanale (EN): Como MISA, achamos que é um ato repudiável, na medida em que esteve fora de uma ação que podemos considerar razoável de atuação, tal é que os jornalistas estiveram lá a convite do próprio partido FRELIMO. E o partido FRELIMO certamente tinha de ter tido [em conta] uma previsão de que o evento podia ter intervenções imprevistas face ao contexto em que a reunião foi realizada. Então, quem devia ter feito o mapeamento do risco de tal ocorrer, sob o ponto de vista de intervenções dos seus membros, é quem convidou os jornalistas para aquele evento. Os jornalistas não estiveram lá ao acaso. Tudo foi planificado e penso que todo o assessor de imprensa tem consciência de que a sua atividade é a de influenciar e não a de controlar o trabalho e a ação dos jornalistas.
A partir do momento em que se transcende a isso, corre-se o risco de adotar mecanismos de censura como o que vimos e, podemos dizer, até com uma dimensão fora do que se esperava, porque foi brusco ao tomar aquelas medidas. Penso que não se pode atuar desta forma. Um assessor de imprensa tem essa dimensão de negociação e dos limites da sua atuação.
DW África: O que está aqui em causa?
EN: O que está em causa é a atuação, diríamos, violenta e não negociada - o facto de o assessor de imprensa ter de ter consciência de que o trabalho dele tem limites. Não pode controlar o trabalho dos jornalistas na totalidade. E quando os seus limites se esgotam, tem que reconhecer o contexto em que um determinado ato ocorre, sobretudo naqueles contextos em que ele já não pode fazer mais nada. E quando não pode fazer mais nada, não pode transcender à censura.
DW África: Que ilação se pode tirar deste ato? Tem a ver apenas com a forma como se deve escolher ou indicar o candidato da FRELIMO?
EN: Acho que não. Penso que foi uma reação individual. Nós todos assistimos ao contexto. Ninguém mandatou ninguém para aquilo. Foi um ato voluntário de quem o fez. Não é algo que foi planificado. Por isso também é que o nosso pronunciamento se dirigiu ao ato e ao comportamento de quem atuou da maneira como nós todos visualizámos.
DW África: Os jornalistas que estavam na cobertura da reunião da Associação Nacional dos Combatentes da Luta de Libertação qualificaram o ocorrido de "um episódio humilhante, embaraçoso e de total falta desrespeito pela classe". O MISA já tomou uma posição. O que vai fazer mais para além disso?
EN: Nós atuamos em muitos processos quando envolvem danos materiais, danos jurídicos; aquele foi um ato que nós repudiamos e esperamos que, com a nossa ação a este nível, possamos contribuir para mudarmos os comportamentos e também para que os próprios assessores tenham consciência de que a sua ação tem limites e está no âmbito de influência e não de censura.
DW África: Houve alguma reação por parte da Presidência da República ao vosso comunicado?
EN: Até este momento, não. Não recebemos qualquer reação. Esperemos que o façam.
DW África: Domingo, 7 de abril, foi mais um aniversário do desaparecimento do jornalista moçambicano Ibraimo Mbaruco, na província de Cabo Delgado. Não há até então uma explicação factual das razões do seu desaparecimento?
EN: Exatamente. É uma luta, é uma pressão que temos vindo a fazer. Infelizmente, o Estado moçambicano ainda não fez a investigação, e nós também estamos às escuras. Passam estes anos todos [quatro anos] e continuamos a exigir que o Estado possa esclarecer o que aconteceu. É papel do Estado garantir a segurança dos cidadãos e prover informação a todos nós sobre o que é que acontece com os concidadãos que estão em situações como estas. Então, continuamos nesta pressão com a expetativa de que o Estado assuma e cumpra o seu papel de nos informar e também garantir que os jornalistas e as pessoas que vivem em Cabo Delgado e no resto do país vivam numa condição de segurança.
DW África: Considera que a liberdade de imprensa está em risco em Moçambique?
EN: Temos episódios como estes. Nós também, como sociedade civil, temos de estar atentos para pressionar para que se retraiam violações contra os jornalistas. É um processo negocial e de luta permanente para conquistarmos os direitos ou mantermos esses direitos conquistados mesmo num ambiente em que o Estado ou o Governo tende a ser cada vez mais autoritário. Nós, como cidadãos, como sociedade civil, temos de nos manter firmes nesta luta de busca de mais espaços para exercermos as nossas liberdades.