Moçambicano Mia Couto vence Prémio Camões 2013
28 de maio de 2013Apesar da magnitude do prémio, para o escritor este parece ser mais um entre os vários que coleciona. “Não espero nunca por uma coisa dessas. Tenho com os prémios uma relação de distância, não de arrogância, porque não vale a pela olhar para eles, porque trabalhamos por outras razões, que são outros prémios que são mais importantes que esses, disse Mia Couto à agência de notícias Lusa depois do anúncio da premiação. “Penso que um escritor que começa a piscar o olho aos prémios fica cego, sem olho como o Camões”, confessa.
E é com os dois olhos, que ainda tem, que o escritor já olha há algum tempo para Ngungunhana. Na verdade mais do que isso, explora a sua história tendo já em vista mais um livro. E nada o desvia do seu processo criativo, nem mesmo o prémio agora atribuído, como referiu o próprio.
Atiçando a curiosidade dos leitores, Mia Couto abre um pouco a porta do processo de “gestação” da nova obra: “É sobre um personagem histórico da nossa resistência nacionalista, Ngungunhana, que foi preso por Mouzinho de Albuquerque e depois foi conduzido para Portugal e depois acabou por morrer nos Açores.” Segundo o autor, há nesta figura “uma espécie de tragédia a volta desse herói, que foi mais inventado do que real e que precisa de ser retratado.”
“Uma distinção mais que merecida”
Autor de 23 livros, entre romances, contos, poesia e obras infantis, Mia Couto carimba com marcas próprias a sua escrita. Destaca-se principalmente pela sua criatividade na linguagem, através de amálgamas, para além de evidenciar outras formas que a língua de Camões pode ter, principalmente no jeito moçambicano. O seu estilo fantástico conduz o leitor a outras dimensões, embora retratando questões sociais demasiado terrenas.
Por isso, vários escritores lusófonos não têm dúvidas quanto à atribuição do prémio. “A atribuição é perfeitamente merecida, este ano eu creio que o prémio deveria ter sido atribuído a um escritor africano. Mia Couto é um grande escritor, parece-me perfeitamente justificado”, declarou o português Vasco Graça Moura.
De acordo com o júri, a escolha do premiado deveu-se à “vasta obra ficcional caracterizada pela inovação estilística e a profunda humanidade”. “É uma decisão merecida que só pode ter o nosso aplauso e nos enche de satisfação. O Mia tem uma obra que tem qualidade e já tem volume. E por toda essa obra não deixou nunca de experimentar novos caminhos, não se encostou a qualquer zona de conforto que tivesse já conquistado”, sublinhou o escritor moçambicano Luís Bernardo Honwana.
O secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), Ungulani Ba Ka Khosa, em entrevista à Lusa, também classificou a entrega do Prémio Camões a Mia Couto – que considera ser um dos 100 melhores escritores africanos do século XX - como “uma distinção mais que merecida”.
Em Moçambique, Mia Couto já foi agraciado com importantes prémios do país. Nos anos 80 foi considerado um dos 12 melhores escritores africanos do século XX. Mia Couto é o segundo moçambicano a receber o Prémio Camões. O primeiro foi o poeta José Craveirinha, em 1991, o primeiro dos PALOP a ser premiado.
Estreia literária foi há 30 anos
António Emílio Leite Couto (Mia Couto) nasceu em 1955, na Beira, numa família originária de Portugal. No início da década de 1970, estuda Medicina na antiga Universidade de Lourenço Marques, atual Maputo, altura em que se associa à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Depois do 25 de Abril de 1974, interrompe a formação e começa a trabalhar como jornalista. Em 1985, ingressa na Universidade Eduardo Mondlane, onde se forma em Biologia e onde é atualmente investigador e professor.
É com "Raiz de Orvalho", livro de poesia publicado há 30 anos, que se estreia na literatura. Seguiram-se depois muitos outros, entre os quais "Cada Homem é uma Raça", "Estórias Abensonhadas", "Contos do Nascer da Terra", "Terra Sonâmbula", "A Varanda do Frangipani", "O Fio das Missangas", "Cronicando", "O País do Queixa Andar", "Pensatempos", "Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra", "Venenos de Deus, Remédios do Diabo", "Jesusalém" e "O Último Voo do Flamingo".
“Espero que Mia Couto seja um dos autores de origem portuguesa tão universal como a sua própria obra, que já é hoje”, disse o pensador português Eduardo Lourenço quando, em 2011, lhe foi entregue o Prémio que leva o seu nome.