Moçambique confirma que não vai pagar dívida
16 de janeiro de 2017As autoridades moçambicanas confirmaram esta segunda-feira (16. 01), que não vão pagar a prestação deste mês de janeiro relativa aos títulos de dívida soberana com maturidade em 2023 que deviam vencer na próxima quarta-feira (18.01). Analistas ouvidos pela DW África acham que a decisão não terá um impacto imediato, mas consideram importante que o país continue a trabalhar no sentido de restabelecer a confiança junto dos parceiros internacionais.
O Ministério das Finanças justificou através de um comunicado o não pagamento da prestação de janeiro invocando falta de liquidez durante o ano de 2016, facto que já tinha alertado em outubro último.
No documento, as autoridades moçambicanas indicam que a degradação da situação orçamental e macroeconómica afetou severamente as finanças públicas nacionais, deixando o país com uma capacidade de pagamento da dívida extremamente limitada em 2017 e não dando espaço para fazer o pagamento atempado de juros destes títulos.
O Governo salienta que encara os credores como "parceiros importantes de longo prazo cujo apoio à necessária resolução do processo da dívida vai ser crítico para o futuro sucesso do país".Alerta, igualmente, que para o Fundo Monetário Internacional (FMI) retomar o apoio financeiro a Moçambique vai ser necessário que o país tome medidas com os seus credores externos para colocar a divida numa trajetória sustentável.
Dois mil milhões de dólares de dívidas contraídas por três empresas
O FMI e os credores internacionais suspenderam a ajuda a Moçambique em 2016 na sequência da descoberta de dívidas contraídas por três empresas com garantias do Estado em 2013 e 2014 sem o conhecimento do Parlamento e parceiros.
As dívidas avaliadas em cerca de dois mil milhões de dólares foram concedidas as empresas EMATUM, Proindicus e Moçambique Asset Management. Este facto elevou o total da dívida moçambicana para cerca de onze mil milhões de dólares. As autoridades moçambicanas têm estado a tentar renegociar o pagamento da dívida com os credores, mas estes condicionam o processo aos resultados de uma auditoria internacional e independente ainda em curso.
O analista Adelson Rafael considera não provável que o anúncio do não pagamento da prestação por parte de Moçambique tenha um impacto direto na descida do 'rating', e explica: "O nível do qual Moçambique está atualmente é algo como 20 a 30% de incumprimento em relação aos investidores".
Adelson Rafael admite, no entanto, que este incumprimento pode ter impactos indiretos que seria difícil lista-los neste momento. Mas adianta que "não vai ter implicação na mudança no rating agora mas ela pode ter no futuro e ter também na questão de credibilidade. Enquanto um país que se pretende afirmar muito por conta das questões energéticas, julgo que há que reforçar a crebilidade".
Por seu turno, o economista Hipólito Hamela também não vê um impacto direto e imediato do incumprimento porque, segundo disse, já houve coisas piores.
Inverter a situação
Hamela é apologista das iniciativas que estão em curso neste momento para inverter a situação.
"Primeiro foi o reconhecimento de que temos a dívida e segundo vamos lá negociar os termos da dívida e vamos avançar para uma coisa plausível para o nosso país e para o nosso povo. Não nos vamos enforcar. Depois prefiro pensar e esperar que o Governo faça tudo que esteja ao seu alcance para conseguir que a gente volte aos bons tempos da ajuda para o desenvolvimento. Olha que esta situação de não pagar (títulos da dívida nos prazos estabelecidos) não é o primeiro país a fazer isso. Por isso é que não estou alarmado."O economista Hipólito Hamela considera que estas iniciativas devem ser acompanhadas por uma redução de uma apetência para o endividamento doméstico, uma vez que, como disse, com o incumprimento no pagamento da prestação o dinheiro vai ficar ainda mais caro para Moçambique no exterior.
"Significa que vai tornar-se insuportável e insustentável ir buscar dinheiro lá fora. Logo pode haver a apetência e tendência de querer ir buscar dinheiro nos bancos comerciais aqui dentro. Isso é que já não vai ser bom porque isso vai ser à custa do sacrifício do sector privado. Ou seja os preços do dinheiro vão aumentar se nós estivermos a pressionar a banca comercial em termos de crédito.
Pagamento da dívida de Moçambique teria dado sinal positivo aos investidores
O economista chefe da consultora Eaglestone considerou esta segunda-feira (16.01) à agência de notícias Lusa que "o cumprimento do pagamento deste cupão [de janeiro por parte de Moçambique] teria dado um sinal positivo aos investidores" internacionais detentores de títulos de dívida.
"O anúncio de 'default' não é uma total surpresa face às recentes declarações das autoridades moçambicanas no sentido de proporem aos investidores uma renegociação da dívida; no entanto, julgo que apesar das dificuldades que o país atravessa atualmente, o cumprimento do pagamento deste cupão teria dado um sinal positivo aos investidores dos esforços das autoridades locais em cumprirem com os seus compromissos internacionais", disse à agência Lusa Tiago Dionísio.
Para o economista-chefe da consultora Eaglestone, a assunção de que o país não vai honrar os compromissos financeiros cria "o risco desta notícia não ser muito bem recebida pela comunidade internacional".
Impactos indiretos segundo Moody'sA agência de notação financeira Moody's considera que o incumprimento financeiro de Moçambique "não leva imediatamente" a uma descida do 'rating', mas pode ter impactos indiretos na avaliação da qualidade do crédito do país.
"As implicações no 'rating' podem variar, mas um falhanço no pagamento, por si só, não é provável que desencadeie uma descida do nosso 'rating', já que o nosso 'rating' de Caa3 para Moçambique e para os títulos de dívida com maturidade em 2023 já está num nível consistente com incumprimentos financeiros que signifiquem uma perda entre 20 a 30% para os investidores", disse a Moody's numa resposta enviada à agência Lusa ainda antes do anúncio de 'default' feito pelo Governo moçambicano, na manhã desta segunda-feira (16.01).
Na resposta, a analista sénior para o crédito soberano em África, e que segue de perto a economia de Moçambique, Lucie Villa, explicou que "falhar um pagamento pode ter impactos indiretos, difíceis de antecipar hoje, mas pode, em última análise, levar a uma mudança no 'rating'".
Pressões sobre a avaliação são negativas
De resto, a analista lembra que "o 'rating' de Caa3 tem uma Perspetiva de Evolução negativa, indicando que as pressões sobre a avaliação são negativas", ou seja, devem ser revistas em baixa num período entre 12 e 18 meses.Questionada sobre se Moçambique não tem mesmo capacidade financeira para pagar quase 60 milhões de euros da prestação de janeiro dos títulos de dívida soberana emitidos em abril do ano passado, Lucie Villa respondeu: "É difícil destrinçar entre a capacidade e a vontade de Moçambique para pagar; a questão é mais se o Governo vai dar prioridade ao serviço da dívida, possivelmente arriscando um corte na despesa ou atrasos nos pagamentos aos outros credores".
Moçambique mostra "postura de esclarecimento juntos dos credores"
O gabinete de estudos económicos do BPI considerou que o anúncio de Moçambique sobre o não pagamento da prestação de janeiro confirma o que já era esperado e mostra "uma postura de esclarecimento junto dos credores".
"O anúncio do default por parte de Moçambique acaba por ser uma confirmação do que já era esperado por algumas instituições", disse a analista que segue o país, Vânia Duarte, à Lusa, acrescentando que "é uma forma de acabar com as expetativas que rodeavam a questão" do pagamento da prestação de janeiro.
"Também é importante notar que, mais uma vez, o Governo moçambicano assume uma postura de esclarecimento junto dos credores, demonstrando o compromisso em assegurar maior transparência dos seus actos", disse a analista, salientando que é igualmente positivo que o FMI mantenha as conversações e o empenho "em ajudar Moçambique a resolver os seus desafios".