Moçambique: Reforma eleitoral "é quase impraticável"
20 de agosto de 2024O primeiro presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique propôs esta terça-feira o encurtamento, para 48 horas, do período entre a votação e a divulgação dos resultados eleitorais, com recurso a informatização. Seria uma das formas de reduzir o risco de fraude.
Contudo, as propostas de Brazão Mazula são feitas num contexto em que a máquina eleitoral é dominada pelo poder político.
Será que Moçambique precisa de medidas paliativas e superficiais ou de uma refundação do sistema eleitoral? A DW entrevistou Guilherme Mbilana, especialista em legislação eleitoral moçambicana, sobre este tema.
DW África: A proposta do primeiro presidente da CNE trará impactos significativos para inibir a fraude eleitoral em Moçambique?
Guilherme Mbilana (GM): De facto, o período [entre a votação e a divulgação dos resultados eleitorais] é bastante longo e permite que haja muitas suspeições por parte de qualquer um dos concorrentes, principalmente quando da oposição. Portanto, é sempre melhor que haja rapidez.
Sabemos que, pelo mundo fora, a contagem é feita no mesmo dia e, no mesmo dia ou o mais tardar até ao dia seguinte, já se conhecem os resultados. No caso moçambicano, não é que não se conheça nada – [antes da divulgação oficial] já correm informações nos bastidores sobre os resultados; há apenas esse formalismo que prejudica o próprio processo eleitoral.
Há realmente a necessidade de a Assembleia da República reduzir esse tempo de 15 dias, que não ajuda em nada senão ao aumento da suspeição, que já existe sobretudo em relação aos órgãos de administração eleitoral, suspeitos de serem pró-partido no poder ou a favor dos dois maiores partidos políticos.
DW África: A informatização é algo que também tem sido reivindicado como mais um elemento que minimizaria o risco de fraude, à semelhança desta proposta de encurtamento. Estas medidas trariam um impacto relevante para o processo eleitoral moçambicano no que diz respeito à transparência e lisura?
GM: Sim, seria uma mais-valia para dar credibilidade aos resultados que vêm sendo publicados após o dia da votação.
É preciso lembrar que a mesa da Assembleia de Voto é composta por sete MMVs [Membros da Mesa da Assembleia de Voto] que são apurados por concurso público, além de outros três de cada um dos três partidos na Assembleia da República. Isso foi feito com o intuito de trazer confiança para as operações de votação e contagem. Mas isso acabou não servindo de nada. Pelo contrário. Olhando para o histórico das eleições no país – e uma vez que as eleições resultaram do acordo político de Roma – todos os processos políticos e administrativos do país não têm tido a confiança necessária. Mesmo estando a FRELIMO [o partido no poder] e a RENAMO no processo, há sempre desconfiança. É uma questão relacionada com o histórico.
DW África: As propostas que são feitas no contexto das eleições são muitas vezes no sentido de minimizar a fraude ou os problemas eleitorais, mas não são propostas que visam eliminar o problema pela raiz. Tornar os órgãos eleitorais e de justiça independentes não deveria ser o cavalo de batalha da sociedade ao invés de se propor medidas paliativas ou superficiais?
GM: Seria possível, mas no contexto moçambicano é quase impraticável. São os dois maiores partidos políticos que impõem esta condição de estarem integrados nos órgãos de administração e gestão eleitoral. Mais do que isso: Quem faz a lei, afinal de contas? São os dois principais partidos na Assembleia da República.
DW África: Mas o povo é soberano e nenhum partido está acima disso. Como pode ele destronar esses pequenos "reis"?
GM: O povo é soberano, mas quem o representa são os partidos políticos na Assembleia da República. Agora o povo, se tiver de fazer algo, terá de esperar, por exemplo, pelo próximo ciclo eleitoral.