Angola: Morte de médico em Luanda gera indignação
7 de setembro de 2020A onda de indignação contra a morte do médico angolano Sílvio Dala faz-se sentir em quase todas as camadas da sociedade angolana. Nas redes sociais, políticos, médicos, jornalistas e professores universitários colocaram a foto da vítima nas suas contas do Facebook, exigindo justiça e apelando ao Presidente da República, João Lourenço, que exonere o atual ministro do Interior, Eugénio Laborinho.
Tudo começou quando Sílvio Dala morreu no dia 1 de setembro, alegadamente por espancamento, numa esquadra policial do bairro Rocha Pinto, município de Luanda. O médico foi conduzido à esquadra policial por ter sido encontrado sem o uso da máscara de proteção individual dentro da sua viatura, obrigatório no contexto da Covid-19.
Segundo o porta-voz da Comissão Multisetorial de Combate à Covid-19, o comissário Waldemar José, as causas da morte do cidadão estão relacionadas com uma paragem cardíaca e não com agressões. A mesma fonte adianta que autópsia concluiu que o médico não foi alvo de qualquer ofensa física.
Oposição angolana tem dúvidas e pede inquérito independente
Maurílio Luiele, médico e deputado da União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA), maior partido da oposição, não acredita na posição da polícia - que foi duramente criticada num relatório da Amnistia Internacional e da ONG OMUNGA - e exige a instauração de um inquérito independente. "Porque o que nos pareceu é que a polícia está a encobrir os agentes que atuaram de forma viciada no caso do Dr. Sílvio Dala. Impõe-se um inquérito imparcial que permita esclarecer as circunstâncias da morte do Dr. Sílvio Dala e se responsabilize quem tenha que ser responsabilizado", defende o deputado.
Também o Sindicato dos Médicos de Angola, em nota de imprensa, afirma que o médico apresentou ferimentos que indiciam que "foi alvo de agressões e duros golpes”.
Em comunicado, o Ministério da Saúde já apelou à calma e expressou a sua "mais profunda consternação" pela morte de Sílvio Dala, diretor clínico do hospital materno-infantil de Ndalatando, "destacado em missão de formação no Hospital Pediátrico David Bernardino, em Luanda".
Entretanto, na habitual análise aos factos noticiosos da TV Zimbo aos domingos, o jurista David Mendes incentivou à desobediência civil, "dizendo basta ao uso de máscaras quando se está sozinho na viatura". Na sua página pessoal do Facebook, o deputado independente da UNITA escreveu: "Leis injustas não devem ser cumpridas".
Maurílio Luiele, primeiro vice-presidente da bancada do maior partido da oposição, sugere uma tomada de posição por parte da população. "O que eu defendo é que a sociedade civil indignada se erga, se junte, se pronuncie vigorosamente. Se é por manifestações, se é por desobediência civil, se pela imprensa, o que é necessário é, de facto, fazer barulho em torno destas questões", considera.
Agentes da polícia suspeitos de outras mortes
Este não é primeiro caso em que a polícia é acusada de estar envolvida na morte de um cidadão em tempos de Covid-19. Estas mortes têm sido associadas às declarações do ministro do Interior, Eugénio Laborinho, que numa conferência de imprensa, em abril, disse que "a polícia não estaria nas ruas para distribuir rebuçados nem chocolates".
Há, desde então, registo de mortes de cidadãos em Luanda, Huíla e Benguela, alegadamente protagonizadas por agentes das forças e segurança. Já esta segunda-feira (07.09), a imprensa pública noticiou a morte de um cidadão na província angolana de Malanje, supostamente por não usar máscara na via pública.
João Malavidenle, coordenador da Associação Cívica OMUNGA, diz que estes factos revelam o nível de violação de Direitos Humanos que se regista em Angola. "Os mais de 16 casos de assassinatos que ocorreram durante o estado de emergência e agora no estado de calamidade são a prova mais do que evidente das violações sistemáticas dos Direitos Humanos no país", alerta.
“Até ao momento, nenhum dos agentes envolvidos em atos de assassinatos foi responsabilizado criminalmente nem tão pouco houve responsabilização civil", lamenta.
"O que tem permitido o perpetuar destas situações é a impunidade recorrente nestes casos", acrescenta Maurílio Luiele.
Para João Malavindele, é altura de o Presidente João Lourenço quebrar o silêncio: "O Presidente da República não precisa de esperar que atinjamos uma cifra de mil cidadãos para termos um pronunciamento. O senhor Presidente da República tem responsabilidades relativamente à arrogância e aos excessos no uso da força por parte da polícia nacional".