Movimento quer acabar com analfabetismo no Parlamento da Guiné-Bissau
21 de fevereiro de 2014
A plataforma de jovens pretende que depois das próximas eleições gerais o país tenha um Parlamento com nível mínimo de "preparo académico e político". Segundo os ativistas, a eleição de deputados que não sabem ler nem escrever é uma tradição.
Para o presidente do Conselho Nacional da Juventude, Dito Max, tal fenómeno tem condicionado o nível dos debates na Assembleia Nacional Popular.
"Nós temos, neste momento, um Parlamento em que a maioria dos representantes do povo é analfabeta ou semi-analfabeta. Nós entendemos que é importante que pessoas mais preparadas estejam na próxima legislatura. Como é possível uma pessoa analfabeta interpretar o programa do Governo ou o orçamento do Estado – que é o trabalho básico do Parlamento?"
Na opinião do deputado Octávio Lopes, advogado de profissão, ao excluir os analfabetos do Parlamento, o Estado guineense estará a fazer discriminação total e grave violação dos seus direitos fundamentais.
"Temos uma Assembleia diferente e temos que trabalhar para ter um país diferente. Aqueles que a própria lei e o Estado não possibilitam que tenham acesso à informação não podem ser discriminados [novamente]. Agora [viria] este mesmo Estado dizer que [estas pessoas] não podem estar disponíveis num órgão representativo", defende Lopes.
"O melhor Judiciário"
Octávio Lopes diz que, se o grau académico fosse o motor de desenvolvimento na Guiné-Bissau, o país teria um melhor sistema Judiciário - já que dispõe de 95% dos magistrados formados na Faculdade de Direito de Bissau. No entanto, trata-se, segundo o parlamentar, de "um dos piores sectores" da vida pública do país:
"Não é pelo fato de um tribunal ter só licenciados que faz com que o desempenho do tribunal seja diferente daquele que nós conhecemos. Se fosse uma questão de licenciatura, teríamos o melhor Sistema Judiciário da Costa Ocidental [da África]", opina Lopes.
Em reação, Júlio Vieira Inssumbu, do Ministério Público, insiste que se deve escolher deputados com base na sua formação acadêmica, como se faz noutros ramos da função pública:
"Para se entrar para a função pública, exige-se o mínimo de escolaridade. Para ser magistrado, exige-se o mínimo de escolaridade. Por que não se exige este mínimo em relação aos candidatos ao Parlamento. E quando se está ao ponto de se exigir, eles veem com a idéia de se estar a discriminar. Não há nada de discriminatório porque a constituição garante acesso gratuito às escolas", rebate Inssumbu.
Assinaturas através de carimbos
No debate realizado em Bissau para definir o perfil das lideranças políticas face ao desafio da reconstrução nacional, muitos participantes defenderam que os analfabetos sempre mandaram no país.
Foram citados exemplos de ministros que assinam com carimbo e deputados que aprovam leis. Todos não teriam sequer passado pelos bancos escolares. Através de seus versos, o poeta Atchó Express tenta transmitir uma mensagem de reconciliação.
"Problema: se não queres problema, evite o problema para não teres problema. Porque, se vieres a ter o problema, não irás resolver o problema. Aí vais criar problema em cada problema", recita Express.
Segundo dados divulgados em 2013 pelas Nações Unidas, o nível de analfabetismo na Guiné-Bissau é de 56%.