Moçambique deve investigar violações dos direitos humanos
11 de dezembro de 2020David Matsinhe salienta que o Estado moçambicano “tem a responsabilidade de proteger, defender e respeitar os direitos humanos” no país, e tudo fazer pela transparência da atuação das Forças de Defesa e Segurança (FDS).
Perante a escalada de denúncias relacionadas com a atuação do exército e da polícia em Cabo Delgado, o investigador da Amnistia Internacional alerta que Moçambique é um país signatário de tratados internacionais que o obrigam à defesa dos direitos humanos.
A violência armada em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, está a provocar uma crise humanitária com mais de duas mil mortes e 560 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba. A província está desde há três anos sob ataque de insurgentes e algumas das incursões passaram a ser reivindicadas pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico desde 2019.
Em entrevista à DW África, David Matsinhe revela ter esperança na mudança de atitude por parte do Governo em Maputo, incentivando o Estado a abrir-se a uma investigação independente que indague a atuação das forças armadas do país.
DW África: Seria uma espécie de utopia pedir respeito pelos Direitos Humanos em Cabo Delgado nesta altura?
David Matsinhe (DM): Não, porque Cabo Delgado faz parte do Estado de Direito e da Democracia, por isso não se trata de pedir, mas de exigir a prestação de contas naquilo que diz respeito aos direitos humanos em Cabo Delgado. Moçambique é um país signatário de tratados internacionais e Moçambique também se comprometeu na União Africana (UA) e na Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) a proteger os cidadãos moçambicanos que estão na sua jurisdição. Proteger os direitos humanos e garantir que todos os violadores dos diretos humanos sejam responsabilizados. Não se trata de uma utopia.
DW África: Como está a situação de Moçambique no que toca aos Direitos Humanos?
DM: Desde o início do conflito em Cabo Delgado, têm entrado na nossa organização quase todos os dias alegações de violações de direitos humanos não só pelos insurgentes que estão a atacar as aldeias dos distritos nortenhos de Cabo Delgado, mas também por parte das Forças Armadas de Moçambique. Nós achamos que é da responsabilidade do Estado de Moçambique respeitar todos os tratados de direitos humanos internacionais em que o país é signatário.
DW África: Como pedir a prestação de contas a um Governo que muitas vezes se fecha face às denúncias ou críticas, por exemplo, no caso da atuação das Forças de Defesa e Segurança em Cabo Delgado?
DM: O Governo de Moçambique é composto por seres humanos que têm capacidade de mudança. Por isso, vamos continuar a fazer essas exigências. Temos essa fé e a consciência de que quem está à frente dos destinos do país tem a capacidade de mudar. Caso contrário, não estaríamos aqui a fazer este trabalho. Se o Governo de Moçambique pretende limpar a sua imagem na comunidade internacional e criar uma imagem positiva, então é da sua responsabilidade abrir-se e permitir uma investigação transparente, imparcial e exaustiva a estas alegações. Isso é do interesse do Governo moçambicano que também já se mostrou incapaz de travar [o conflito] e instaurar a paz e a prosperidade na província de Cabo Delgado. Se não, o conflito vai continuar a alastrar nas províncias de Moçambique e até nos países da África Austral.
DW África: Uma campanha de promoção dos direitos humanos no seio do exército moçambicano seria uma das soluções para reverter a situação em Moçambique?
DM: Eu não sei se o exército e a polícia de moçambique têm na sua consciência que eles são defensores e protetores dos direitos humanos. Não me parece, pelo que temos assistido e acompanhado, que exista essa consciência. No âmbito do direito internacional, o Estado é que tem a responsabilidade de proteger, defender e respeitar os direitos humanos. Membros do exército e da polícia de Moçambique são agentes do Estado na zona de conflito. Eles têm de se comportar de maneira exemplar e pautarem-se pelo respeito e proteção dos direitos humanos.