Moçambique: ONG apela ao Governo após ameaças a jornalistas
15 de novembro de 2018O número de casos de ameaças a jornalistas moçambicanos, protagonizadas por indivíduos desconhecidos, tem estado a aumentar. Quem o afirma é Fernando Gonçalves, presidente do o Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA-Moçambique), que diz estar preocupado com a situação.
Numa nota enviada às redações, a ST Projectos e Comunicação, proprietária do Jornal Dossiers & Factos, fez saber, esta semana, que o diretor editorial deste semanário, Serôdio Towo, é a mais recente vítima destas ameaças.
Desde sábado (10.11), o jornalista tem estado a receber chamadas telefónicas de desconhecidos, ameaçando a sua vida. Numa das chamadas que a vítima conseguiu gravar, o autor das ameaças diz ao jornalista que este deve "abandonar os temas" de crítica ao Governo. "Quem chama atenção, amigo é. Eu queria-te informar que esses assuntos que estão a tratar sobre questões do Governo é bom que os abandonem, senão vão-te criar muita confusão. Quem avisa melhor amigo é", ouve-se na gravação.
É assim mais um caso a juntar aos vários registados no país, por exemplo, durante as eleições autárquicas, onde alguns repórteres das rádios Encontro e Watana afirmaram também ter recebido ameaças de morte.
Neste âmbito, e em entrevista à DW África, Fernando Gonçalves, fez saber que o MISA-Moçambique, por estar "preocupado com o aumento" de casos de ameaça aos profissionais da imprensa, reuniu com a presidente da Assembleia da República.
DW África: Como é que o MISA-Moçambique encara estas sucessivas ameaças aos profissionais do setor? Têm estado a receber queixas?
Fernando Gonçalves (FG): Obviamente que vemos estas ameaças, ou situações de ameaça, com muita preocupação e temos manifestado esta preocupação publicamente. Os jornalistas fazem o seu trabalho em nome do público, e portanto, qualquer ação que ponha em causa a sua integridade física, coloca essa obrigação de prestar informação ao público em causa. Temos estado a receber algumas dessas queixas e pronunciámo-nos publicamente sobre elas. E mais que isso, temos estado a tentar encontrar uma forma de nos engajarmos com as entidades governamentais, especialmente as responsáveis pela segurança pública, de modo a que façam um esforço para que situações como estas sejam devidamente investigadas e as pessoas responsabilizadas.
DW África: Tem faltado pulso firme das autoridades em termos de responsabilização? Estamos a falar de um número significativo de ameaças de indivíduos que não estão, neste momento, identificados...
FG: Sim, esse é que é o problema. Muitas vezes as ameaças são feitas por indivíduos não identificados, as chamadas telefónicas são feitas através de números que são desconhecidos. Quando não se pode identificar os autores dessas ameaças torna-se muito difícil, mesmo para as autoridades, investigar. O que achamos que deve ser feito é um trabalho de prevenção em que as autoridades tornam claro que não vão tolerar qualquer ação de intimidação e violência.
DW África: As autoridades têm mostrado vontade de resposta a esta tipo de casos? Como têm estado a reagir?
FG: Tivemos um encontro com a presidente da Assembleia da República, a quem apresentámos uma nota apelando para que use os seus bons ofícios para que apelar a autoridades relevantes do Executivo para fazer-lhes entender que é preciso criar um ambiente de segurança, não só para jornalistas, mas para todos os cidadãos. Eu acredito que as autoridades reagem positivamente a estas nossas iniciativas, mas talvez não o digam publicamente.
DW África: A ameaça tornada pública esta semana, por exemplo, foi feita por causa da publicação de artigos críticos ao Governo. Esta é mais uma razão pela qual o Governo devia pronunciar-se?
FG: Tenho muitas reservas em me pronunciar taxativamente se essas pessoas estão a agir em nome das autoridades. Qualquer pessoa pode dizer aquilo que quer. E até se provar que essas pessoas agem em nome das autoridades governamentais, é muito difícil.
DW África: Mas acha que o Governo se deve pronunciar, tendo em conta o número de casos já tornados públicos?
FG: Estes incidentes mancham a imagem do próprio Governo, por isso, como forma de prevenção, e para mostrar que o Governo tem tolerância zero em relação a este tipo de situações, penso que havia necessidade do Governo fazer mais do que tem feito até agora.
DW África: Sabe se os jornalistas têm estado a apresentar queixa junto das autoridades?
FG: A nós eles apresentam queixa, agora se têm apresentado queixa às autoridades, não sei. Mas aquilo que posso dizer é que, dependendo do tipo de caso, nós como organização também achamos que temos a responsabilidade de agir em defesa dos nossos membros. Portanto, se eles não fazem queixa, uma vez recolhidos os elementos de prova de que o ato foi cometido, nós tomamos conta [do caso] e fazêmo-lo seguir para as autoridades.
DW África: Tem informação relativamente ao número de casos reportados?
FG: Não tenho, mas que há um crescente número de casos reportados ao nível dos distritos fora das capitais provinciais, é um facto.
DW África: E podemos dizer que o número aumentou com as eleições autárquicas?
FG: Houve casos que ocorreram durantes as eleições autárquicas, mas foram casos pontuais. Penso que não fazem parte de uma rotina de violência contra jornalistas.
DW África: Este ambiente de intimidação tem condicionado o trabalho da imprensa? Há jornalistas condicionados por medo de represálias?
FG: Obviamente. Se há esse clima de intimidação e se os autores destes crimes nunca foram identificados, obviamente que os jornalistas começam a ter algumas reticências quanto à capacidade de realização do seu trabalho.