Moçambique: "Influência da FRELIMO continuará"
21 de agosto de 2018O rumo das negociações para a paz efetiva em Moçambique é sinal de reconhecimento de que existem possibilidades de uma convivência de pluralismo ideológico entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO, principal força da oposição. Quem o diz é o académico moçambicano radicado nos Estados Unidos, Mustafah Dhada, que vê no recente acordo alcançado entre as duas partes um factor positivo para a estabilidade no país.
Em entrevista à DW África, Mustafah Dhada afirma que a atual situação de Moçambique deve ser vista como "uma fase muito pequenina de uma história que se está a desenvolver há já vários anos".
No entanto, nota este investigador, "agarrar-se a micro-desenvolvimentos para alcançar uma visão de futuro de Moçambique é uma parvoíce". "Esta é apenas uma fase que dará lugar a uma outra narrativa na história" do país, acrescenta.
Eleições autárquicas
O historiador moçambicano está convencido de que "a influência da FRELIMO estará aí para décadas". Ainda assim, acrescenta, existirão "forças que vão [fazer] deslocar esse pensamento e este monopólio da FRELIMO. Isto é claro. Pluralismo significa isso".
Mustafah Dhada prevê ainda que as próximas eleições em Moçambique, agendadas para 10 de outubro, desencadeiem atos de violência localizados, sem o suporte de uma estratégia ideológica partidária. "Haverá violências, isto é claro, porque o país experimentou isso", afirma.
Outro dos assuntos abordados nesta entrevista foram os ataques armados que têm acontecido na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique. Para Mustafah Dhada, o facto de "Moçambique ter uma população dinâmica muçulmana" deve ser "reconhecido como uma força e não, necessariamente, como uma evolução recente. Vem de há séculos atrás". Aos olhos deste moçambicano, o que é complicado é "[a junção] desta primeira realidade histórica com uma realidade bem política e ideológica numa parte, e noutra parte económica" e que está relacionada também com a descoberta de importantes recursos naturais.
Mustafah Dhada concorda que há, neste sentido, interesses externos subjacentes a tais ataques, mas sublinha que é também importante não julgar isso "como um nódulo de desenvolvimento desagradável para Moçambique". É que, reforça, todos os países africanos estão agora muito mais vulneráveis às influências externas.
Mustafah Dhada considera que as autoridades moçambicanas devem encarar o problema com prudência. "O que devemos entender é que a reação e a resposta oficial deveria ser também muito delicada e também complexa do ponto de vista de não satanizar o que está a acontecer", diz.
Caso da Guiné-Bissau
Mustafah Dhada esteve, recentemente na Guiné-Bissau, no âmbito de um trabalho académico sobre a luta de libertação e a guerra colonial.
O país, governado por José Mário Vaz, é muito mais frágil do que Moçambique do ponto de vista da auto-sustentação, e está confrontado, diz o investigador, com a degradação estrutural. "Não há um ânimo ao impulso de ver o país como uma Nação-Estado, mas sim vê-se o país como um espelho partido, com pedaços que singularmente faz sentido mas que, em conjunto, não lhe dá uma visão para seguir em frente", explica.
A Guiné-Bissau prepara-se para as eleições legislativas, agendadas para 18 de novembro próximo. Mustafah Dhada diz poder medir a pulsação da sociedade guineense pelos contactos que fez com alguns dos dirigentes políticos, nomeadamente, [elementos] do PAIGC, e que lhe trouxeram algum otimismo. "Há uma camada de jovens no PAIGC que tem uma visão extremamente democrática: de aprofundar as raízes que já perderam ideologicamente do tempo de [Amílcar] Cabral; que tem uma visão de balançar entre desenvolvimento económico e sócio-cultural do país", afirma.
Mustafah Dhada acredita que esta é uma oportunidade para a Guiné-Bissau e para o PAIGC "salvaguardarem a herança de Amílcar Lopes Cabral" sob pena da "intervenção militar [externa] ser tão brutal" que "possa [levar ao] desaparecimento do país".
O investigador disse ainda depositar muita confiança nos jovens para impulsionar as mudanças necessárias no país, com a ajuda da comunidade internacional. No entanto, diz, "seria difícil dizer se eles têm fibra e ética para conduzir publicamente [o país] com fundos públicos e não utilizar isso para arrumar bolsos privados em benefício próprio".