Percepção da dívida exige profundidade, considera Macamo
21 de novembro de 2017A crise económica que Moçambique enfrenta foi tema de uma conferência que aconteceu no sábado (18.11.) na Basileia, Suiça. O evento denominado "A nova crise da dívida: Ajustamento estrutural, empréstimos, corrupção e lucros - o caso de Moçambique" foi organizado por algumas instituições, entre elas o Centro de Estudos Africanos da Universidade de Basileia. Elísio Macamo é sociólogo e professor nesta instituição e com ele falamos sobre a perspetiva social da crise:
DW África: Como analisa a perceção que os moçambicanos têm da crise que o país vive e a forma como eles enfrentam isso?
Elísio Macamo (EM): Acho difícil falar sobre a perceção dos moçambicanos porque as pessoa têm diferentes níveis de acesso à informação e também diferentes capacidades de perceber. A minha perceção é de que há uma dificuldade básica, primeiro, em perceber que contexto é que Moçambique como nação e como uma economia age e deve agir, que tipo de constrangimentos é que são enfrentados por qualquer que seja o Governo nesse contexto. E depois há aquela perceção generalizada que as pessoas têm de que houve um Governo irresponsável e que tomou decisões irresponsáveis motivado por interesses pessoais, corrupção e que temos os problemas que temos hoje justamente por causa dessa irresponsabilidade. É uma apreciação legítima, as pessoas sentem os efeitos da situação económica. Na minha opinião essa situação económica em que nos encontramos não tem necessariamente a ver com as dívidas ocultas. Tem muito a ver com a estrutura da nossa economia, com a estrutura mundial e o contexto dentro do qual governos têm de tomar decisões. E penso que uma melhor abordagem desse problema teria de envolver uma maior apreciação do contexto dentro do qual o nosso país tem de agir. Só que não podemos esperar isso das pessoas, elas estão muito mais preocupadas em encontrar uma explicação imediata e plausível para a situação que enfrentam.
DW África: Algum fenómeno interessante a ressaltar neste momento de crise no seio dos moçambicanos?
EM: Sim, há. Por exemplo, acho que há uma grande dificuldade no nosso país de perceber em que tipo de país vivemos. Há sempre aquela impressão de que o nosso país é normal que só tem alguns probleminhas e que se resolvessemos isso estaríamos bem. Naturalmente que uma perceção diferente de acordo com a posição que a pessoa tem na sociedade, portanto há uma grande dificuldade em perceber que Moçambique é um país pobre, e hoje no mundo isso é um grande problema. Enquanto as pessoas não perceberem isso vão ter dificuldades em perceber porque tem de consentir sacrifícios e que tipo é que têm de consentir. E isso também se aplica ao próprio Governo, que às vezes toma decisões que são muito difíceis de se comunicar e fazer com que sejam percebidas pelas pessoas.
DW África: Dizem que é a partir das crises que surgem as inovações e aumenta a criatividade. Já consegue enxergar isso no caso de Moçambique?
EM: Vou dizer uma coisa muita polémica controversa e nem é para rir, eu acho que houve um momento, e foi com o Governo de Guebuza, em que houve uma perceção de que a crise em que o país se encontrava poderia ser uma oportunidade, mas o tiro saiu pela culatra. Neste momento não vejo isso, vejo apenas a preocupação em gerir a situação quanto melhor puderem.
DW África: O Governo tem sido duramente criticado por causa da crise que Moçambique atravessa. Consegue ver algum aspeto positivo do lado do Executivo na gestão desse assunto?
EM: Acho que o aspeto positivo está muito mais na forma mais ou menos calma como o Presidente Nyusi tem tentado lidar com vários dossiers difíceis como as dívidas ocultas, a instabilidade político-militar e na relação com os doadores.
DW África: E que lições se podem tirar desta situação de crise?
EM: Acho que precisamos de repensar o nosso sistema político e precisamos de repensar na qualidade do debate na esfera pública. Acho que há uma grande défice a esse nível, as pessoas abordam estas questões de uma forma muito emocional e quase sempre não me parece haver uma grande preocupação em ir ao fundo das questões. O exemplo das viaturas de luxo é paradigmática, porque a questão não é a compra de viaturas, mas sim um sistema político que não é capaz de tomar decisões que façam sentido do ponto de vista social. E enquanto estivermos numa situação assim estaremos mal.