Quem trava os excessos da polícia em época de Covid-19?
18 de janeiro de 2021O decreto presidencial número 01/2021 de 13 de janeiro, publicado no Boletim da República na última quinta-feira (14.01), obriga no seu artigo 16, número 3, alínea K), "o encerramento de bares e barracas destinadas a venda de bebidas alcoólicas”. E o número 15 do mesmo artigo indica que "as barracas de venda de produtos alimentares devem funcionar das 6 horas às 17 horas, ficando vedada a venda de bebidas alcoólicas”.
Entretanto, logo no primeiro dia da entrada em vigor deste decreto, com duração de 21 dias, muitos comerciantes em algumas cidades, com destaque para a capital, Maputo, experimentaram até o que não está no decreto, viram os seus produtos apreendidos por brigadas conjuntas da Polícia da República de Moçambique (PRM) e da Polícia Municipal (PM).
E mais, houve casos de cidadãos violentados pela própria polícia e detenções irregulares.
A Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique considera que a PRM ao confiscar os produtos violou o decreto presidencial.
É que no entender da presidente do órgão, Firosa Zacarias, "é completamente ilegal, o próprio decreto não diz que os produtos devem ser apreendidos e daquela forma que temos estado a ver violência, pessoas a serem chamboqueadas, completamente contra os princípios da dignidade humana. É muita violência desnecessária”, disse Firosa Zacarias.
PRM não sabe interpretar decreto presidencial?
O número 1 do artigo 35 do decreto refere que o desrespeito às medidas por si emanadas é considerado crime de desobediência e punido com pena de 3 a 15 dias de prisão. E o número 2 diz, e passamos a citar, que "a pena é sempre substituída por multa correspondente”.
Neste contexto, Firosa Zacarias defende que as autoridades policiais devem saber interpretar o decreto presidencial.
"Penso que é momento do próprio Presidente da República ou das autoridades máximas da Polícia de esclarecerem aos seus agentes como devem interpretar as normas do decreto presidencial, porque estão a aproveitar-se delas para cometerem violações”, avalia Firosa.
Para o ativista social e coordenador da ONG moçambicana Ação Académica para as Comunidades Rurais (ADECRU), Jeremias Vunjanhe, a atuação das autoridades policiais é condenável.
"Nesta altura denota-se um aumento exponencial dos casos de Covid-19 e era expetável que a polícia tivesse uma ação pedagógica [junto das] pessoas. Não se pode promover um assalto aos bens das pessoas, que tentam lutar pela sobrevivência e procuram manter a renda”, defende Vunjanhe.
Polícia alvo des suspeitas
Por outro lado, considera que "este processo que a polícia está a desencadear não tem critérios e não tem regras. O que se podia fazer era encerrar o estabelecimento e eventualmente deter o seu proprietário".
E a falta de inventário durante a apreensão faz aumentar as suspeitas dos comerciantes em relação à polícia, já vista como oportunista.
Por isso o coordenador da ADECRU sublinha: "O que a polícia está a fazer neste momento é lavar os produtos ou bens das barracas e não deixa nenhum documento, indicando a quantidade dos produtos apreendidos e onde a o proprietário pode reclamar os seus bens”.
O ativista lamenta ainda que o Presidente Filipe Nyusi tenha agravado as medidas restritivas contra a Covid-19, sem anunciar um pacote de alívio económico para as famílias e para as pequenas e médias empresas.
Contatado pela DW África, o porta-voz da PRM na cidade de Maputo, Leonel Muchina, prometeu reagir, mas até a fecho deste artigo não se tinha pronunciado.