Nacionalista angolano espera há anos por passaporte
2 de julho de 2018Adolfo Rodrigues Maria vive em Portugal e espera há oito anos pela emissão de um passaporte angolano, vendo-se impedido de viajar nestas condições. Uma longa história explica este episódio, que acontece depois do desalento causado pelo regresso da guerra civil a Angola, em 1992. Foi por esse facto que deixou caducar o documento.
"Fui-me alheando numa atitude de desgosto e deixei caducar o passaporte. O meu passaporte é de 1991 e expirava em 1996 e eu esqueci-me", recorda.
Em 2010, dirigiu-se ao Consulado de Angola, em Lisboa, para tratar do processo de renovação do documento.
"Portanto, isso passa-se em fevereiro de 2010. O dossier foi recebido. Mas, depois, nunca mais eu fui contactado. As explicações "que me deram é que não tinha vindo nada de Luanda. Portanto, estive sem passaporte até agora", revela Adolfo Rodrigues Maria.
"Agora, não sei se isto é uma pura atitude de funcionários do Ministério das Relações Exteriores encarregados de me conceder o passaporte", acrescenta.
Revisão do processo
Em junho do ano passado, por diligências de um amigo angolano, voltou ao consulado. Diz que foi muito bem recebido pelos responsáveis e que o processo foi revisto, tendo sido fotocopiado o passaporte caducado que ainda guarda consigo.
"Bom, isto passou-se em junho do ano passado e até à data nada me foi comunicado se o passaporte veio ou não veio. Claro que não veio," avalia.
A DW África tentou ouvir a Embaixada de Angola em Lisboa, mas sem sucesso, uma vez que o novo representante do país africano, Carlos Alberto Fonseca, não presta declarações enquanto não entregar as cartas credenciais ao chefe de Estado português.
O nacionalista Adolfo Maria, nascido em Luanda em 1935, explica que a expulsão para Portugal, em 1979, resultou de atitudes que tomou com alguns companheiros dentro do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), em contestação à estratégia do partido e ao autoritarismo do então Presidente, Agostinho Neto, ainda durante o período da Luta de Libertação.
"Fui expulso para Portugal sem qualquer documentação em janeiro de 1979. E, desde então, estou cá", afirma.
O Estado pode decidir retirar o passaporte a um nacional por razões específicas. Mas o professor Jean-Michel Mabeko Tali, da Universidade de Howard nos Estados Unidos da América, sustenta que não faz sentido esta situação porque todos os cidadãos têm direito a um passaporte.
"Afinal, é uma figura na história do MPLA. Seria um gesto muito bonito lembrar que foi um camarada. Se houve problemas no passado, esses problemas podem ser ultrapassados hoje. Por que não fazer a sua própria reconciliação, dando-lhe o passaporte? Ele já não representa perigo para ninguém e seria um bom gesto fazer isso", considera o estudioso.
Para o historiador Alberto Oliveira Pinto, "isso significa que há censura política. Significa que não se vive em democracia".
"Embora seja, para ser sincero, cético em relação ao Governo de João Lourenço, eu tenho esperança que algumas coisas mudem, nem que seja só por cosmética. Mas é estranho, de facto, como é que o processo do Adolfo Maria, de que ouço falar há anos, se prolongue", considera.
Destino após a independência
Depois da independência, em 1975, Adolfo Maria explica que foram castigados. "Não porque estivéssemos a fazer alguma coisa, mas apenas porque, em 1974, tínhamos criado a 'Revolta Ativa'. Seguiu-se um longo período de "vingança e de repressão sobre os que eram opositores," precisa.
A conhecida "Revolta Ativa" reivindicava, na altura, a democratização no seio do partido dirigido por Agostinho Neto.
Vários membros da "Revolta Ativa" foram procurados pela Direção de Segurança e Informação de Angola (DISA). Adolfo Maria lembra que foram presos em 13 de abril de 1976, cinco meses depois da proclamação da independência de Angola. Alguns escaparam e outros entregaram-se. Expulso de Angola, Maria esteve antes quase três anos em auto-exílio, foragido da polícia política do então regime.
Uma longa história se seguiu. Conjuntamente com alguns elementos da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), são amnistiados por decreto presidencial em setembro de 1978. Daí veio a expulsão para Portugal, onde foi obrigado a fixar residência.
Com alguns companheiros, Mário de Andrade e Gentil Viana, organizou um grupo de reflexão, cujo objetivo era contribuir para a paz em Angola depois da guerra civil. Após os Acordos de Bicesse, Gentil Viana tinha um plano de convivência nacional e resolveu ir apresentá-lo a Angola, na companhia de Adolfo Maria. Foi então que solicitaram um passaporte à Embaixada de Angola em Lisboa. Era embaixador Rui Mingas.
Conta que se tinham deslocado a Angola em 1991 e foram até recebidos pelo Presidente da República. Depois das eleições de 1992, reacendeu a guerra civil.
Esperança em João Lourenço
O caso de Adolfo Maria mobilizou um grupo de cidadãos e instituições, que endereçou um abaixo-assinado ao Presidente João Lourenço, com vista a corrigir a situação. Os subscritores pedem ao chefe de Estado angolano para reverter a condição do cidadão.
Para Adolfo Maria, sempre existiu no seio do MPLA uma cultura de exclusão.
"A cultura de exclusão apareceu mesmo na nossa Luta de Libertação. E viu-se, no pós-independência, todas aquelas divisões e depois todas as repressões que vieram - um indivíduo que tem uma opinião diferente passa a inimigo e rapidamente a traidor. Perdura essa mentalidade, mas não quer dizer que seja o timbre, pelo menos, deste novo Executivo presidido por João Lourenço. Eu penso que não. Vai até no sentido contrário", defende o nacionalista.
Como combatente da liberdade, Adolfo Maria considera que este é um caso de uma profunda injustiça.
"Ajudei para que aquele país fosse independente," afirma. "Dei mais de metade da minha vida à luta pela independência de Angola. É injusta esta situação, sejam quais fossem as nossas divergências no passado," considera.
O nacionalista não sabe qual a razão desta demora, nem faz ideia se há mais angolanos nesta situação. Mas quer crer que, com uma petição apresentada recentemente ao Presidente João Lourenço, seja possível corrigir esta injustiça de um Estado perante um cidadão angolano "que contribuiu tão generosamente para a independência do país", como ele mesmo diz.