Nova crise de dívida em África?
20 de março de 2017No continente africano o problema da crescente dívida externa é real. Cada vez mais real.
Segundo os critérios da organização não-governamental alemã "Erlassjahr.de” há 40 países africanos com indicadores preocupantes em termos de dívida externa, sendo que a situação em Moçambique é a mais difícil de todas. O país entrou em incumprimento financeiro ('default') em janeiro.
Para Jürgen Kaiser, coordenador político da "Erlassjahr.de”, a situação atual era esperada: "Não é surpreendente o que está a acontecer, visto que as constelações económicas atuais são muito parecidas com as que se verificavam nos últimos anos da década de 70 e nos primeiros da década de 80. Na altura, falava-se de uma crise da dívida no terceiro mundo”, lembra o especialista.
Kaiser desenvolve a sua posição: "Essas constelações são, nomeadamente, as seguintes: juros extremamente baixos nos países ricos e industrializados, o que torna bastante atrativas as aplicações em países africanos, que pagam juros de entre 7 e 15 por cento. Enquanto o ministro das finanças alemão, [Wolfgang] Schäuble, não paga nada. Como se não bastasse, os preços das matérias-primas estão a cair. Todos esses fatores contribuem para que os países africanos contraiam créditos em grande escala. Só que depois têm dificuldades quando se trata de pagar de volta”.
Alívio da HIPC
Para a maior parte dos países africanos em dificuldade o problema do sobre-endividamento, de fato, não é novo. Muitos desses países já viram as suas dívidas reestruturadas, ou seja, parcialmente perdoadas, a partir de 1996, através da iniciativa HIPC. Esta iniciativa para países pobres altamente endividados (em inglês: "Heavily Indebted Poor Countries") teve o apoio de instituições multilateriais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional e de países como a Alemanha. Agora, 26 dos países africanos que tiveram um alívio através da initiativa HIPC encontram-se, de novo, em situações, no mínimo, "desconfortáveis".
O caso de Moçambique
Moçambique é um caso emblemático. Desde 2012, a dívida externa subiu de 40% para 130% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos anos passados, os bancos estrangeiros concediam créditos a Moçambique com facilidade, uma vez que o país parecia ter liquidez devido aos grandes recursos de gás e carvão. Mas uma parte do dinheiro desapareceu e ninguém consegue explicar bem como e para onde. Sabe-se que parcialmente terá sido utilizado para armamento.
A "bomba explodiu” com a descoberta de dívida escondida e com as dificuldades financeiras de três empresas estatais - a ProIndicus, a Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM) e a Mozambique Asset Management (MAM).
Para Jürgen Kaiser "Moçambique é um caso particularmente dramático”. O coordenador da ONG alemã lembra ainda que "é também o primeiro país que se viu obrigado a declarar-se incapaz de pagar as suas prestações aos credores, depois de ter passado pelo programa internacional de perdão da dívida HIPC”.
Dívidas triplicadas em vários países
Mas Moçambique não é caso único: "Outros países que se encontram numa situação particularmente crítica são o Gana ou a Zâmbia, igualmente países ricos em matérias-primas. Mas também podemos nomear o caso do Senegal, um país não muito rico em matérias-primas, mas que também está a passar por dificuldades”, nota Kaiser.
Vários países africanos triplicaram a sua dívida em termos absolutos de 2005 a 2015: a África do Sul, Angola, Cabo Verde, o Gana e o Quênia.
Solução mecanismo de insolvência de países?
O problema do endividamento provavelmente estará de novo na agenda das instituições financeiras internacionais. Algumas ONG's, entre elas a "Erlassjahr.de” veem uma solução: um mecanismo de insolvência para países. Existem mecanismos semelhantes para empresas e - em muitos estados - também para pessoas individuais. Mas não há mecanismos formais no caso da falência de países. Apenas existem mecanismos informais.
No passado, várias iniciativas – entre outras da vice-diretora do FMI , Anne Krueger, em 2001 – foram bloqueadas pelo lobby financeiro de bancos. Em 2014, a Assembleia Geral das Nações Unidas votou a favor dum mecanismo de insolvência para estados. A Alemanha fez parte de 11 países que votaram contra.
Para Jürgen Kaiser um erro: "Acho que esse seria de facto um instrumento suscetível de contribuir para uma solução. Um mecanismo de insolvência significaria que os credores deixariam de poder decidir sobre a possibilidade de um eventual perdão das dívidas”, conclui Jürgen Kaiser.
Nota: A adaptação deste artigo (originalmente em alemão) publicada a 16 de março continha vários erros factuais. Por isso, publicámos esta versão retificada a 20 de março de 2017.