Nyusi nos EUA: "Ventos internos" podem manchar Moçambique
27 de março de 2023O Presidente moçambicano está em Nova Iorque. Até à próxima quinta-feira (30.03), Filipe Nyusi participa em eventos relacionados com a presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que Moçambique detém desde 1 de março.
O chefe de Estado chega aos Estados Unidos numa altura de grande contestação social e de críticas à atuação das autoridades moçambicanas, que tem manchado a imagem do país em termos de respeito pelos direitos humanos. A própria ONU condenou a repressão policial de cidadãos que tentaram participar nas marchas de homenagem ao rapper Azagaia.
Wilker Dias, analista político, acredita que Nyusi vai evitar tocar no tema sensível das convulsões sociais e desviar as atenções para a questão do terrorismo em Cabo Delgado e outros desafios.
DW África: O Presidente moçambicano chega a Nova Iorque num momento crítico para a sua governação, de grande contestação social. O que se pode esperar dos discursos de Filipe Nyusi, perante todas estas críticas?
Wilker Dias (WD): Eu acredito que, numa primeira fase, o Presidente da República não vai tocar neste assunto que acaba sendo uma preocupação para os moçambicanos, mas também para outras comunidades que marcam a atualidade internacional, pois é uma questão um pouco sensível que ainda está em tratamento ao nível das instituições e órgãos políticos nacionais. O que pode ocorrer é que o discurso de Filipe Nyusi foque os desafios e êxitos que Moçambique teve ao longo desta presidência do Conselho de Segurança e, se calhar, os grandes desafios que podem marcar a perpectiva de discussão no próprio Conselho de Segurança ou do próximo país que assumir a presidência.
Essas questões ligadas às violações dos direitos humanos em Moçambique serão um pouco deixadas de lado, focando mais concretamente o terrorismo em Cabo Delgado e o extremismo violento que tem marcado grande parte dos países africanos. Se calhar, [o Presidente] focará mais esta vertente, deixando de lado as convulsões sociais que têm manchado África, não só Moçambique. Temos o caso concreto da África do Sul, que está com a mesma situação, e provavelmente Angola.
DW África: Filipe Nyusi é um líder que chega a Nova Iorque de certa forma enfraquecido, perante o aumento das críticas públicas? Recordo que tem havido não só críticas da população à atuação policial e à violência, mas também a própria ONU condenou o uso desnecessário da força por parte da polícia.
WD: Sim, é um ponto que pode até não ser abordado de viva voz, mas poderá merecer alguma atenção nos debates off the record [à margem dos eventos oficiais], porque este assunto acaba preocupando, [tendo em conta] a integridade dos moçambicanos. Olhando mais uma vez para a questão dos direitos humanos, este é um dos principais papéis do Conselho de Segurança das Nações Unidas: preservar este núcleo dos direitos humanos nos diversos países que os têm violado.
Moçambique deveria ser o exemplo, mas, infelizmente, não foi o que ocorreu nas últimas semanas. Acredito que estes ventos internos podem manchar um pouco a dimensão externa no âmbito do Conselho de Segurança. Defende-se uma coisa mas, na prática, verifica-se completamente o contrário.
DW África: O Canal de Moçambique noticiou hoje que foi reforçada a segurança no Palácio da Ponta Vermelha e na Presidência da República, devido a supostos boatos sobre um eventual golpe de Estado. O que é que se diz em Moçambique sobre estas suspeitas?
WD: O que se diz é que a maior parte dos moçambicanos comunga de uma visão geral de que não há elementos para dizer, neste momento, que Moçambique esteve ou está perante uma ameaça de golpe de Estado. Os movimentos que foram surgindo - no caso concreto, esta marcha pelo Azagaia - foram praticamente pacíficos. Na minha ótica, acaba-se levantando esta questão do golpe de Estado como uma tentativa de limpar a imagem de Moçambique perante a má ação que se tomou para debelar as manifestações pacíficas. É mais uma forma que o Governo moçambicano arranjou para contornar esta situação.
Os questionamentos são vários: tivemos o caso concreto da ONU, que criticou e até vai apurar, através duma investigação. Não temos elementos suficientes para podermos dizer que existem condições para a existência dum golpe de Estado, principalmente com uma mão externa, como se tem dito por aí. Se formos analisar, tudo o que vem ocorrendo a nível nacional, essa onda de insatisfação, sobretudo da camada juvenil, está muito relacionado com diversos acontecimentos internos: o alto custo de vida, a falta de oportunidades de emprego, a falta de habitação, condições básicas de vida dos moçambicanos.
DW África: Nas redes sociais, diz-se que pode ser uma "desculpa" do Governo para declarar esta instabilidade no país e até inviabilizar as próximas eleições. É preciso, antes de mais, que o Governo reconheça que as coisas não estão bem na sociedade moçambicana, antes de fazer qualquer tipo de acusação?
WD: Sim, é importante que o Governo reconheça isto, mas não só. É importante que o próprio partido que está no poder perceba que as coisas não estão bem, porque essas vozes [que falam] de golpe de Estado também vêm do seio partidário. É importante que o partido possa sentar e analisar e perceber o que é que está a falhar na espécie de governação existente em Moçambique. Parece que não, mas são factores históricos. E à medida que o tempo vai passando, a situação vai-se agudizando e vai chegar a um momento em que a população já não vai querer saber de nada e é capaz de rebentar com tudo.