O filme que apresenta o Kuduro ao Mundo
2 de junho de 2014No início de Maio, chegou às salas de cinema angolanas o documentário “I Love Kuduro”, cujo título não deixa muito espaço para dúvidas sobre aquilo de que se trata neste filme: o estilo de música, de dança e de vida conhecido como Kuduro. A estreia mundial aconteceu já em Setembro de 2013, do outro lado do Oceano Atlântico, no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, mas foi na Baixa de Luanda que o Kuduro deu os primeiros passos, e as pessoas deram os primeiros passos de dança ao som deste ritmo contagiante. Entretanto, o filme já passou por festivais em diversos países, como Portugal, México, Quénia, Canadá e Estados Unidos. No Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa Cineport, no Brasil, ganhou em abril deste ano o prémio de melhor fotografia. É que, como explica o realizador, Mário Patrocínio, o Kuduro é um fenómeno “cem por cento angolano”, mas atrai pessoas de todo o mundo. Aliás, o próprio slogan do filme é "From Angola to the World" (de Angola para o Mundo).
Angola era um país que vivia num cenário de guerra civil, quando a mistura de músicas e estilos de dança tradicionais, com influências internacionais mais atuais, como o house e o tecno, deu forma a um estilo frenético, intenso, libertador, com batidas fortes, que acabou por ser apelidado de forma bastante explícita relativamente à movimentação corporal privilegiada – Kuduro, vindo literalmente da expressão “cu duro”.
Cultura angolana em Lisboa
Há muitos anos que o Kuduro chegou a Portugal, país natal de Mário Patrocínio, despertando a curiosidade do realizador português, quando este ainda era um estudante universitário, nos anos 90, e frequentava a discoteca Mussulo, em Lisboa. Todas as noites, havia um “momento Kuduro”, um momento para o tipo de dança em que as pessoas ficam “libertas”, diz o realizador. “As pessoas reuniam-se numa roda, e era eletrizante, era vibrante, a forma como eles dançavam, o beat, tudo isso me chamava a atenção, no sentido de “o que é que é isto?” “de onde é que isto veio?”, “quem são as pessoas que fazem isto?” E sempre tive esta curiosidade”, recorda Patrocínio.
Já no início do século seguinte, a curiosidade levou o realizador à terra do Kuduro, onde procurou as respostas às perguntas que se tinha colocado e onde ficou a conhecer de perto a cultura que o fascinara na juventude. Em 2007, a curiosidade da juventude acabou por tomar contornos mais concretos como um projeto cinematográfico: “acabei por escrever uma base de um projeto sobre o Kuduro quando estava a terminar o meu outro filme do Brasil, e a partir daí o que eu fiz foi pesquisar pesquisar, pesquisar, pesquisar.”
O realizador português ficou famoso com o seu premiado documentário Universo Paralelo”, sobre o aglomerado de favelas no Rio de Janeiro conhecidas como o Complexo do Alemão. Agora, Mário junta-se de novo ao seu irmão Pedro, diretor de fotografia, para dar a conhecer mais uma realidade do mundo lusófono.
Os kuduristas
Depois da pesquisa, seguiram-se seis meses de gravações em Angola, durante as quais a equipa procura as origens do estilo e acompanha vários artistas que representam a cultura kudurista. Ficamos a conhecer, por exemplo, Sebem, “padrinho do Kuduro", e autor de uma das primeiras e mais conhecidas músicas deste género musical, “Felicidade”, escrita em plena guerra civil, e cujo refrão simples (“A felicidade todos nós queremos, a felicidade, todos nós sentimos”) se repetiu incontáveis vezes em Angola e não só. Titica, a primeira celebridade transexual de Angola, é outras das personagens centrais do documentário, que acompanha ainda Nagrelha, vindo de um bairro problemático de Luanda e uma das maiores estrelas da atualidade, ou ainda os irreverentes e criativos Presidente Gasolina e Príncipe Ouro Negro. Mas também Tony Amado, que cunhou o termo Kuduro, o duo Tchobari, Francis Boy Cabo Snoop, autor do famoso “Windeck” (homónimo e temado genérico da telenovela luso-angolana) e nomeado para vários prémios, entre outras personalidades ligadas a esta cultura urbana.
O retrato das personagens parece ter funcionado, porque, para além da aceitação do público na estreia mundial, Patrocínio destaca a reação positiva dos protagonistas, como uma confirmação de um trabalho bem feito: “Eu acho que isso é o melhor, as pessoas sentirem-se identificadas, aquelas que estão a ser retratadas”.
De Angola para o Mundo
A internacionalização do filme cresce baseada no universalismo do Kuduro, que parece estar a ganhar terreno em vários países, transformando-se no processo. “O Kuduro tem uma particularidade que acaba por absorver tudo aquilo que está à sua volta, seja no estrangeiro, seja do que decorre no dia-a-dia das ruas de Luanda. Portanto o Kuduro tem uma capacidade de absorção e depois de transformação e de criar algo original com tudo aquilo que está à volta. Portanto, é angolano, sem dúvida, mas está a espalhar-se pelo mundo e é natural que depois apareçam outras pessoas - e ainda bem que assim o é quer dizer que está a funcionar – em várias partes do mundo a fazer o seu próprio Kuduro”.
Apesar de se estar a espalhar um pouco por todo o mundo, o Kuduro é ainda um fenómeno desconhecido de muita gente. A recetividade “muito calorosa” sentida por Mário Patrocínio na estreia mundial do documentário no Rio de Janeiro, deve-se também ao factor descoberta de um mundo que movimenta multidões.
“Eu acho que as pessoas desconheciam efectivamente o que é que é o Kuduro, ou até que ponto é que o Kuduro chegava, e o fenómeno que era. Ou seja, se nós temos ideia que o Kuduro, em Portugal, ou noutros lugares da Europa, tem forca, em Angola é um fenómeno de massas. Portanto, é um fenómeno que movimenta milhares de pessoas”, afirma o realizador.
Para além de movimentar multidões de fãs, o Kuduro é também uma parte importante da cultura urbana de Luanda, definindo um estilo de vida divertido, despreocupado, e mesmo, por vezes, algo excêntrica. O realizador português explica que, para muitos angolanos, o Kuduro é uma “bandeira nacional, um orgulho nacional”.
Em seis meses de viagem pelo país, Mário Patrocínio não tem dúvidas sobre qual foi a melhor parte da sua experiencia: “é ter a oportunidade de conhecer pessoas de diferentes lugares, às vezes que pensam de formas diferentes, às vezes que pensam de formas iguais, mas perceber que, no fundo, o mundo está todo conectado. Estamos todos conectados uns com os outros independentemente dos lugares onde nascemos e onde vivemos”.
Para o futuro, a produtora dos irmãos Patrocínio, a BRO, já tem um projecto na calha: o primeiro filme de ficção. A aposta em Angola mantém-se, pois trata-se de uma adaptação da obra “As Mulheres do meu Pai” de José Eduardo Agualusa.