O risco de misturar política e negócios
31 de outubro de 2016A pressão internacional parece estar a aumentar. Segundo o jornal português Expresso, os Estados Unidos da América fizeram um "ultimato" a Luanda: É preciso que os bancos angolanos "deixem de ter" acionistas com ligações à política ou cargos públicos.
"Washington fez saber, durante a recente visita efetuada aos Estados Unidos pelo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Valter Filipe, que ou Angola afasta as pessoas expostas politicamente […] da estrutura acionista dos bancos comerciais ou continuará a não ter acesso a dólares", lê-se na publicação.
Contactada pela DW, a embaixada norte-americana em Angola não comenta a notícia. Por sua vez, o jurista Rui Verde fala sobre as dificuldades em afastar pessoas politicamente expostas e sobre os riscos de se misturar política e negócios.
DW África: Quantas pessoas politicamente expostas há na banca angolana? Já se fez esse levantamento?
Rui Verde (RV): Não foi feito um levantamento sistemático, mas já foi feito um levantamento empírico: De um modo geral, todos os bancos têm uma pessoa politicamente exposta à frente - desde Isabel dos Santos, ao irmão, a vários generais. Com a transferência do BFA do BPI para Isabel dos Santos é capaz de não haver nenhum banco relevante que não tenha pessoas politicamente expostas como acionistas relevantes.
DW África: E que implicações é que isso tem?
RV: Os bancos estão muito condicionados na sua atuação financeira por considerações políticas. Têm sido vários os escândalos na banca angolana – o mais conhecido é o do BESA, de empréstimos feitos a entidades políticas que não são pagos. Há o caso do antigo vice-presidente do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder], Roberto de Almeida, que recebeu supostamente um empréstimo de 10 milhões de euros e diz que não o paga porque julgava que era uma oferta. Acho que este é o exemplo típico de como se pode traduzir na realidade o facto de os bancos pertencerem a pessoas politicamente expostas.
DW África: Ou seja, a existência destas pessoas politicamente expostas implica necessariamente um risco?
RV: Implica um risco muito grande, e implica, por outro lado, uma atenção das autoridades muito maior.
DW África: Como se poderia despolitizar a banca angolana, para diminuir esse risco?
RV: Isso passaria por criar um mercado de capitais e um empresariado angolano despolitizado, algo que vai demorar algum tempo. Neste momento, os grandes empresários angolanos, dentro ou fora do setor financeiro, estão ligados à política de forma indelével. Portanto, só uma mudança política pode levar a uma mudança económica. Não há hipótese de agora se anunciar uma despolitização da banca angolana. É impossível, porque o regime político está ligado ao controlo financeiro. Não tendo controlo financeiro, não há regime político.
DW África: Há uma pressão crescente, a nível internacional, para mudar o sistema financeiro em Angola?
RV: Há, forçosamente, porque se tem visto que o sistema financeiro em Angola, a exemplo de outros sistemas financeiros, desde logo aqui mais perto, na Rússia, está a ser utilizado pelo poder político oligárquico para controlar quer a situação em Angola, quer noutros países, com investimentos. Obviamente, isso cria riscos políticos agravados de lavagem de dinheiro, corrupção, terrorismo, etc. nos outros países, e há essa pressão. Além de que esta ligação entre o [poder] político e a banca leva sempre a que se façam empréstimos de favor, que não são pagos e, por isso, os bancos vão à falência e há uma crise. Portanto, também se tem de evitar crises financeiras, e uma das formas de o fazer é despolitizar a banca, onde quer que seja.
DW África: Em Portugal, há essa pressão face aos vários investimentos angolanos?
RV: Imagino que o Governo português não faça essa pressão, porque, como sabemos, estamos falidos há 10 anos e precisamos de todo o dinheiro. Mas calculo que haja pressão externa para não deixar que o dinheiro angolano alcance um papel mais determinante em Portugal. Aliás, nestes últimos tempos já estamos a assistir a um certo desinvestimento angolano. Mas a situação portuguesa é muito ambígua face a Angola.