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"Orçamento retificativo em Angola poderia ter sido evitado"

Karina Gomes22 de julho de 2016

Em entrevista à DW África, o economista angolano Carlos Rosado de Carvalho diz que o Governo falhou ao projetar preço do barril de petróleo a 45 dólares e demonstra preocupação com insustentabilidade da dívida do país.

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Foto: Getty Images/AFP/S. de Sakutin

O governo de Angola está a preparar um orçamento retificativo para 2016 devido à crise petrolífera. A informação foi adiantada na edição desta sexta-feira (22.07) do jornal Expansão.

De acordo com o Ministério das Finanças de Angola, a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), face a 2015, cairá de 3,3% para 1,3%, e as despesas públicas vão ultrapassar o teto legal de 60%, abrindo um rombo nas contas do Governo.

O economista angolano Carlos Rosado de Carvalho, que teve acesso ao documento "Reprogramação Macroeconómica Executiva", elaborado pelo Comité de Coordenação das Políticas Fiscal e Monetária, avalia que a situação poderia ter sido evitada. O governo deveria ter considerado que o preço do petróleo não ficaria na casa dos 45 dólares, como esperado. No orçamento retificativo, o valor foi revisto para 41 dólares.

"De alguma maneira, o orçamento retificativo era previsível e poderíamos tê-lo evitado", critica o economista em entrevista à DW África. "Sem dúvida nenhuma, eu começo a temer pela sustentabilidade da dívida. Eu acredito que parte do aumento do endividamento tem a ver com as eleições gerais de 2017", acrescenta.

DW África: Angola está a preparar um orçamento retificativo devido à crise petrolífera. Como o senhor avalia essa medida?

Carlos Rosado de Carvalho (CRC): Eu avalio de forma positiva. Basicamente, o que está a acontecer é o seguinte. O Orçamento Geral do Estado de 2016 foi elaborado com o preço do petróleo a 45 dólares, mas o Governo entende que, este ano, o valor do barril vai apenas aos 41 dólares, ao contrário do que tinha sido previsto. Outro aspecto tem a ver com a desvalorização do kwanza. Naturalmente isso acaba por afetar o orçamento. De alguma maneira o orçamento retificativo era previsível, e poderíamos tê-lo evitado. O Governo deveria ter logo considerado o preço do petróleo na casa dos 40 dólares, como tinha sido em 2015. A economia não-petrolífera depende do petróleo. Não há dinheiro e, não havendo dinheiro, o Estado não investe, não há obras públicas, portanto, tudo está na origem dessa situação.

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Entretanto, ao nível das despesas há um aspecto positivo. Comparando o orçamento retificativo com o inicial, há um corte (de 20%) nas despesas correntes, que tem a ver com salários, bens e serviços. E há um aumento nos investimentos, o que é considerado a boa despesa. Por esse ponto de vista, esse novo orçamento é melhor do que o anterior.

DW África: Por outro lado, a dívida do Governo angolano vai ultrapassar o limite legal de 60% do PIB, chegando a 71,4%, segundo estimativas. A economia angolana vai conseguir suportar tamanho rombo?

CRC: Esse é problema. Sem dúvida nenhuma, eu começo a temer pela sustentabilidade da dívida. Eu acredito que uma parte do aumento do endividamento tem a ver com as eleições. Estou muito preocupado, porque não conheço os números concretos e o Governo também não os revela. Este ritmo de endividamento dos últimos anos é impossível de se manter. A menos que o petróleo suba, nós não teremos dinheiro para cobrir a dívida.

DW África: Desde o início do ano, analistas e a oposição alertam para a necessidade da revisão do Orçamento Geral do Estado de 2016, aprovado em dezembro do ano passado. A retificação vem muito tarde?

Carlos Rosado de Carvalho
Carlos Rosado de Carvalho: "Angola não têm instrumentos de política económica que possam reverter a situação no curto prazo"Foto: DW/J.Beck

CRC: O erro tremendo que o Governo cometeu, e eu espero que não venhamos a nos arrepender amargamente, tem a ver com o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Isso seria fundamental, porque além de dar algum dinheiro para financiar os pagamentos, dava-nos sobretudo credibilidade e obrigava-nos a ter uma agenda reformista, que é aquilo que o país precisa. No curto prazo, a única coisa possível de se fazer é cortar na despesa. Do ponto de vista de médio a longo prazo, deve-se fazer reformas que permitam e alavanquem a diversificação da economia.

Era fundamental termos feito o acordo e estar a negociar com o FMI. Seria muito bom que a entidade já tivesse interferência na elaboração do próximo orçamento, em 2017. Será muito complicado por ser o orçamento das eleições. E o Governo, seguramente, faria coisas que não deveria fazer em função da nossa atual situação económico-financeira.

DW África: E, dessa maneira, a economia entra em recessão.

CRC: Isso é completamente contraditório em relação aos objetivos de política económica do Governo. O que o Governo quer é diversificar a economia, o que significava dizer que o setor não-petrolífero iria crescer. Entretanto, está a acontecer exatamente o contrário. A economia não-petrolífera está em recessão de 0,01%. Angola não têm instrumentos de política económica que possam reverter a situação no curto prazo.