"Há uma democracia muito empobrecida em Angola"
29 de julho de 2016Em clima de festival de música, o luso-angolano Pedro Conquenão lamenta que ainda não exista total liberdade de expressão e de criação artística e intelectual em Angola devido à auto-censura. “Há uma democracia ainda muito empobrecida em Angola”, entende o artista, “não só com uma diferença de idades, com uma desconsideração pelos mais velhos que não estão no poder, como pelos jovens, como também pelas mulheres em si. Porque as únicas [pessoas] que são ouvidas são aquelas que são coniventes com o regime em Angola”, explica.
Se por um lado, há quem diga que “é uma democracia nova para justificar a repressão”, por outro “não é nova para justificar tudo o que são oscilações de finanças e até para exibir riqueza”. Ou seja, “em algumas coisas é um país muito maduro noutras é muito adolescente ainda”, comenta Pedro Coquenão, também conhecido por Batida, que atua este sábado (30.07) no Festival Músicas do Mundo (FMM), em Sines.
O músico acredita que o futuro “passará por um rejuvesnecimento da classe política” angolana, ou seja, pela necessidade de “haver mais pessoas novas no poder” mas também de se “ouvir os outros mais velhos que não estão no poder e nem querem estar” e “muitas mulheres também.”
Cedo para cantar vitória
Pedro Coquenão deu a cara a muitas iniciativas de rua e nas redes sociais pela libertação dos 17 jovens angolanos acusados de tentativa de golpe de Estado. Considera que ainda é cedo para se celebrar a libertação dos ativistas.
“Vamos ter ainda que esperar pelo resultado do apelo ou por saber como funciona a questão da amnistia. Porque, a amnistia parte do princípio de que se amnistia alguém que foi culpado e no caso deles isso não se aplica, nem formal nem legalmente porque o processo ainda não acabou”, sublinha o músico. Pedro Coquenão ainda não compreende como se poderá “amnistiar alguém que depois fica com registo criminal de um crime que não cometeu”.
O músico não tem dúvidas do simbolismo do caso dos ativistas. “É apenas e só um gesto de repressão e uma forma de demonstrar o que é que acontece a quem se insurja ou se coloque de uma forma um pouco contraditória em relação ao que é o regime.”
Isto porque a libertação dos ativistas ainda é provisória, acrescenta Coquenão. “Ainda estamos à espera dessa libertação definitiva”. Com a recente questão da amnistia, “tudo é um conceito muito novo e improvisado como tem sido já desde há muito tempo o apanágio do regime angolano”.
"Konono Meets Batida"
Apesar dos obstáculos, Pedro Coquenão espera um dia levar o seu espectáculo para Angola. No festival de Sines, o músico junta-se em palco a Konono nº1, banda oriunda de Kinshasa, República Democrática do Congo (RDC).
Recria-se desta forma em palco o disco "Konono n.º 1 meets Batida", lançado em abril. O disco, produzido na garagem por Pedro Coquenão e Vincent Kenis, traduz a afinidade entre a música angolana e a música do Congo.
Konono nº 1 já atuou várias vezes em Portugal. “Daí a satisfação de ver todo o mundo a dançar neste festival que considero magnífico”, diz Augustin Mawangu, da banda congolesa.
“Já estivemos com Batida e em Sines vamos estar juntos num só grupo em palco. Somos como os Médicos Sem Fronteiras, não impomos limites. Trabalhar com um artista europeu é uma ideia que nos interessa bastante. E estar aqui em Portugal já é como estar na nossa terra, na nossa casa”, confessa o músico congolês. É baseado no espírito da etnia bakongo que Batida se junta em palco ao grupo Konono nº1, fundado nos anos 60.
Amor entre a música angolana e congolesa
Pedro Coquenão está satisfeito com o resultado do produto que apresentam no concerto em Sines. “Essencialmente é isso, é amor.”, diz.
“Já sentia empatia e proximidade com eles [Konono nº 1] há muito tempo. E depois identifico-me muito com essa coisa de eles serem uma banda vista, muitas das vezes, como de música tradicional, música étnica (quem olha para a música africana vê sempre como sendo música étnica ou tribal)”, confessa Coquenão.
No entanto, a música dos Konono nº 1 é eletrónica e, tal como “muita da música que é feita em África, tem uma lógica de dança”, descreve. “E o desafio de poder acrescentar alguma coisa minha a eles foi fantástico0”, acrescenta o músico luso-angolano.
África, o coração da música
Esta é mais uma das descobertas da produção do FMM Sines abraçada há 18 anos por Carlos Seixas. “África representa também o coração da música a nível mundial. Posso dizer mesmo, há um sem número infindável de grandes artistas”, destaca o diretor criativo e de produção do festival.
Em todas as edições do festival, já passaram por Sines cerca de três mil músicos de 104 países e regiões autónomas. "O que quer dizer que o festival tem também essa caraterística de mostrar o que de melhor se faz no mundo, neste caso o mundo que é cada vez mais global.”
O festival continuará, assim, a descobrir músicas e músicos que, em muitos casos, são desconhecidos dos meios de comunicação e da grande maioria do público, refere o produtor. O evento, iniciado a 22 de julho, chega ao fim na madrugada deste domingo (31.07).