Polémico acordo Etiópia-Somalilândia causará crise regional?
4 de janeiro de 2024O pacto surpresa foi anunciado na segunda-feira (01.01) pelo Presidente da região separatista da Somalilândia. Segundo Muse Bihi Abdi, a Etiópia, que não tem litoral, reconhecerá a Somalilândia como país, em troca de acesso ao Mar Vermelho durante 50 anos.
Entretanto, na quarta-feira (03.01), o Governo etíope disse que "nenhuma parte ou país será afetado" pelo memorando de entendimento e que nenhuma lei foi transgredida.
O acordo foi anunciado poucos dias depois de o Governo da Somália ter concordado em retomar o diálogo com a Somalilândia, após anos de impasse.
Mogadíscio fala numa violação clara da soberania, que já motivou protestos na capital contra a agressão que dizem estar em curso contra a Somália. Os manifestantes gritaram palavras de ordem contra o Presidente da Somalilândia e o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, que assinaram o controverso memorando de entendimento em Adis Abeba.
Entre eles estava Ali Mohamed Mire, residente em Mogadíscio. "Viemos aqui para mostrar que estamos prontos a defender o nosso território e as nossas terras costeiras. Nem um centímetro do nosso território está à venda. O líder da Somalilândia não o pode ceder, o Presidente da Somália também não, nem ninguém. Se os etíopes tentarem, haverá sangue nas ruas", afirma.
"Ninguém tem o poder de ceder um pedaço da Somália"
A Somalilândia é um antigo protetorado britânico com cerca de 4,5 milhões de habitantes. Tem procurado tornar-se um Estado de pleno direito desde que reivindicou a independência da Somália, em 1991.
Na terça-feira (02.01), no Parlamento, o Governo somali prometeu defender o seu território por todos os meios legais possíveis. Os deputados descreveram o acordo como "falso e ilegal" e sublinharam que "as águas e as terras da Somália não serão comprometidas".
Durante a sessão, o Presidente Hassan Sheik Mohamud defendeu que "a Somália pertence aos somalis".
"Ninguém tem o poder de ceder um pedaço da Somália. Os nossos avós recusaram, os nossos antepassados recusaram e as nossas mães recusaram, nós próprios recusamos ceder a nossa terra. Isso não é possível. O povo somali nunca o aceitará", frisou.
Efeitos negativos do acordo
Um dia depois da celebração do acordo, as autoridades somalis chamaram o embaixador na Etiópia para consultas.
Surafeal Getahun, professor de Política e Relações Internacionais na Universidade de Dire Dawa, na Etiópia, acredita que os últimos acontecimentos podem afetar de forma negativa as relações entre os países da região.
"A Somália chamou o seu embaixador a Adis Abeba. Tudo isto pode ter um impacto negativo nas relações bilaterais entre os dois países", disse à DW.
"Durante os últimos dez anos, a Etiópia sacrificou-se muito na luta contra o Al-Shebab. A Etiópia contribuiu muito para a paz e a segurança da Somália. As relações entre os dois países têm vindo a melhorar. A assinatura deste memorando de entendimento fará com que as relações regressem à era da administração de Siad Baree. Isto conduzirá toda a região a uma grande crise", entende.
O Presidente do Egito, Abdelfattah al-Sisi, já se mostrou disponível para apoiar a segurança e a estabilidade na Somália.