Jovem condenada a três anos de prisão por mutilação genital
8 de janeiro de 2021O coletivo de juízes do Tribunal de Sintra deu como provados os factos e confirmou que uma jovem guineense, residente em Portugal, cometeu o crime de ofensa à integridade física ao permitir a submissão da filha de 1 ano e 6 meses de idade à prática de mutilação genital feminina.
De acordo com a sentença, proferida na tarde desta sexta-feira (08.01), a ré não foi capaz de assumir a sua responsabilidade de mãe, deixando que a filha fosse submetida à prática do "fanado", como culturalmente é designada na Guiné-Bissau, para onde terá levado a criança em 2019, alegadamente para a mostrar à família.
A ré, então com 19 anos de idade, também mutilada pela irmã mais velha quando criança, ficou na Guiné-Bissau cerca de três meses, tendo regressado a Portugal em março de 2019. Foi durante esse período que tudo aconteceu em ambiente familiar. Alguém não identificado no seu país natal executou a mutilação, deixando lesões permanentes na bebé, de acordo com o tribunal. A prática de mutilação genital feminina é punível pelas normas jurídicas europeias e pela lei portuguesa, por constituir uma violação flagrante dos direitos humanos.
Pelo Código Penal português, este crime é punível com pena entre os dois e os dez anos de prisão, mas o tribunal entendeu aplicar uma pena efetiva de três anos de prisão, além de uma indemnização de 10 mil euros à filha.
Defesa pretende recorrer
O advogado de defesa da jovem guineense manifestou indignação face à sentença. Jorge Gomes da Silva referiu que a decisão tem sobretudo um objetivo "dissuasor".
"É surpreendente, porque a minha constituinte tinha 19 anos e o próprio tribunal, apesar de dizer que não ficou provado que foi a própria que praticou os factos, [aplicou] três anos num crime de dois a dez anos. Para mim, não deixa de ser surpreendente. Mas agora resta analisar o acórdão para depois decidir se vamos recorrer ou não", referiu Gomes da Silva.
O advogado guineense entende que pena suspensa seria mais justa.
"Apesar de não ser da etnia que tem essas práticas, eu sou guineense. Essa prática não é tradicionalmente guineense. É importada, foi o que eu disse em tribunal. Foi uma prática importada dos nossos vizinhos, de outros países de África. Na Guiné, não tem raízes seculares, é recente", afirmou o advogado aos jornalistas.
"A nossa dúvida é: será que aquela prática, o que o perito viu, é mesmo prática na Guiné, aplicada a uma criança de um ano e meio?"
A DW África apurou que a jovem condenada a três anos de prisão vai ficar em liberdade a aguardar pela decisão do tribunal de segunda instância. No processo, a ré insistiu que não fez nada à criança e disse, nas alegacões finais, semanas antes desta sentença, que "dá a sua vida" pela filha.
Em 2019, foram identificados em Portugal pelo menos 129 casos de mutilação genital feminina, o dobro em relação a 2018, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde portuguesa.