Presidente da Tunísia: "Não temos uma varinha de condão"
22 de março de 2013DW África: Sempre promoveu o consenso e a moderação entre as várias forças políticas. Esta estratégia ainda se justifica na Tunísia, depois do assassinato do opositor político Chokri Belaid, no mês passado?
Moncef Marzouki: Claro que sim, mais do que nunca. Porque se este país quer lutar contra os seus problemas socioeconómicos, então precisa de ter estabilidade política. Quero que cheguemos a consenso quanto à Constituição e ao Governo. Precisamos de uma mensagem de reconciliação para trazer paz ao país e continuar a transição para a democracia.
DW África: A Tunísia ainda não ultrapassou a sua crise política. Que soluções propõe o novo Governo liderado pelo primeiro-ministro, Ali Larayedh?
MM: Estamos a falar de problemas de um país que acabou de sair de uma revolução e está ainda a construir as suas estruturas democráticas. Em comparação com outros países, nota-se uma clara diferença: Portugal precisou de oito anos para a democratização, a Espanha demorou três anos e nós estamos a fazê-lo em dois. A Tunísia enfrentou várias crises políticas, mas o país permaneceu sempre estável. Penso que estamos a fazer bons progressos.
DW África: As coisas estão a correr bem em que áreas?
MM: Há dois anos atrás ainda estávamos numa ditadura. Não tínhamos liberdade de expressão ou de manifestação e não era possível criar organizações não lucrativas. Agora temos essas liberdades. A imprensa critica o Governo e o Presidente de manhã à noite. Mais de mil organizações não-governamentais foram criadas, bem como uma centena de partidos. Por isso, neste sentido, a transição já terminou.
Mas ainda estamos atrás no setor socioeconómico, porque chegámos à conclusão que a situação está muito pior do que pensávamos. Estamos a trabalhar no sentido de a melhorar, mas não temos uma varinha de condão. Além disso, estamos neste momento a reconstruir e reformar as instituições do Estado. Levará algum tempo até que cheguemos a um consenso alargado sobre o órgão que regula os média, sobre a autoridade eleitoral e sobre a lei sobre a independência da Justiça. Mas é um processo longo, complexo e frustrante. Estamos a perder nele muitíssimo tempo e energia, mas esse é o verdadeiro processo de aprendizagem numa democracia.
DW África: Refere que a revolta na Tunísia teve sobretudo motivações sociais e económicas. Mas quando se segue os debates na Assembleia Constituinte e nos média, tratam-se sobretudo de questões de identidade.
MM: Há dois tipos de extremismo na Tunísia – o religioso e o laico. A primeira categoria inclui o salafismo, que serve apenas de fachada a um problema social: a classe trabalhadora empobrecida tem começado a insurgir-se contra o partido Ennahda, que se considera a si próprio como um partido islâmico moderado. Por outro lado, há os extremistas laicos, que se irritam logo quando ouvem falar em islamistas ou somente na palavra "Islão". Mas, para a maioria dos tunisinos, as questões mais importantes giram em torno do pão, da água, da eletricidade e do desenvolvimento económico.
DW África: Disse recentemente no Parlamento Europeu que o período pós-revolução é mais difícil do que a própria revolução. Qual é o maior desafio?
MM: É um desafio psicológico. As pessoas pensam que, depois de uma revolução, os problemas desaparecem simplesmente. Mas eles não desaparecem, mudam apenas. Antes, tínhamos problemas que derivavam da existência de uma ditadura. Hoje, são problemas de uma democracia. É claro que também há resultados imediatos concretos da democracia – o facto de pessoas já não viverem com medo é fantástico. Mas as expectativas económicas são tão altas que levam a deceções. É impossível aceder ao pedido de acabar com a corrupção de um dia para o outro ou de garantir trabalho para toda a gente.
DW África: Muitos países da União Europeia (UE) apoiaram durante muito tempo o antigo Presidente, Zine El Abidine Ben Ali. Hoje em dia, a UE apoia o novo Governo mas critica a ascensão dos islamistas. Ainda olha para a Europa como um parceiro credível?
MM: A UE é o nosso parceiro mais importante e queremos que isso se mantenha assim. É verdade que muitos europeus equiparam os islamistas a terroristas. Mas terão de mudar essa perceção e aprender que há diferentes tipos de islamistas. Tal como os Cristãos-Democratas na Europa, também haverá Islamistas-Democráticos, que são conservadores e ao mesmo tempo respeitam a democracia.
DW África: O que espera em concreto da Europa?
MM: A Alemanha tem muita experiência na criação de um Tribunal Constitucional e pode também ajudar-nos nesta área. Estamos bastantes satisfeitos com o facto de a Alemanha ter aceite desviar parte da dívida tunisina para projetos de desenvolvimento. Além disso, gostaríamos de criar uma universidade germano-tunisina e de cooperar em áreas de grande importância, como a energia.
DW África: Desde a revolução na Tunísia, as regiões do país têm ganho importância. Será que o modelo federal alemão é interessante para a Tunísia?
MM: Sim, sem dúvida. Sugeri um projeto em que a Tunísia seria dividida em sete regiões que seriam amplamente independentes a nível económico. Seria muito bom que a Alemanha nos apoiasse em todas as áreas – sociedade civil, regiões e Estado.
O Presidente da Tunísia, Moncef Marzouki, estudou medicina e psicologia em Estrasburgo e trabalhou como médico em França. Em 1979, regressou à Tunísia, onde chefiou a Liga Tunisina dos Direitos Humanos, de 1989 a 1994. Esteve quatro meses detido depois de tentar competir com o ex-Presidente Zine El Abidine Ben Ali nas eleições de 1994.