Reforma agrária na RSA - uma história sem fim
24 de novembro de 2016Uma comunidade negra de 40 famílias organizou recentemente um protesto em Durban North, onde vivem em instalações de empresas agrícolas há décadas. A maioria trabalha na terra, alguns em fazendas vizinhas, outros em localidades nas imediações. Vivem quase de empréstimo e não têm qualquer garantia de que não vão ser expulsos no dia seguinte.
Lisa Mbele, de 23 anos, é uma das manifestantes: "O meu pai está aqui há tantos anos. Temos que ser tratados de forma igual. Agora que estou aqui, quero que me dêem os documentos que me permitam fazer o que eu quero fazer nesta propriedade onde eu estou, porque não se pode fazer nada se não tivermos esses papéis”.
Com o fim do apartheid, em 1994, o Congresso Nacional Africano (ANC) prometeu corrigir os erros do passado, redistribuindo as terras dos agricultores brancos pela população negra, expropriada durante o domínio colonial. Mas poucos progressos foram desde então feitos. Ainda hoje, o Governo está longe de alcançar o objetivo inicial de redistribuir um terço das terras.
Reforma agrária a passo de camaleão
Nick Vink, presidente do departamento de economia agrícola da Universidade de Stellenbosch, não se mostra surpreendido com os números: "Ainda não esperámos o tempo suficiente, precisamos de pensar com cuidado sobre o tempo que estas coisas levam. É uma questão emocional, toda a gente quer resolver esta questão, mas eu tenho medo que isso não seja realista. É algo que ainda vai demorar duas ou três gerações”.
As pessoas estão a ficar impacientes. Membros dos Lutadores da Liberdade Económica, um partido de esquerda radical, querem resolver a questão de outra forma. As palavras do líder deste movimento, Julius Malema, são explicativas: "Quando sairmos daqui, se virem algum pedaço de terra que gostem, ocupem-no, porque pertence-vos, é a vossa terra. É a terra dos vossos antepassados, é a terra que vos foi tirada pelos brancos que mataram pessoas como nós".
São declarações como estas que estão a despertar o temor de novos confrontos no país. Brett Williams é um fazendeiro branco cuja família cultiva cana-de-açúcar, bananas e outros legumes em Upper Inanda desde o início do século XX. Quando começaram os protestos recentes, prontificou-se em ajudar os vizinhos.
Ele relata que "foram agressões, queima de pneus, bloqueio de estradas. Não há nenhuma necessidade disto. As agressões não são o que as pessoas querem. Esperamos poder resolver isto de forma pacífica e optar pelos meios corretos, porque o que está a acontecer agora está errado.”
A espera da justiça
O Parlamento sul-africano aprovou um projeto de lei em maio de 2016 para acelerar a reforma agrária. A nova legislação permite que o Governo force os proprietários brancos de fazendas a vender as suas terras, para que eles possam ser devolvidas aos fazendeiros negros.
O Presidente Jacob Zuma tem ainda de promulgar a lei, mas ninguém sabe se isso vai realmente acontecer. Segundo dados do Governo, 90% das fazendas que foram redistribuídas tornaram-se insustentáveis. Comercialmente, a reforma agrária não está a funcionar.Annelize Crosby faz parte do sindicato dos agricultores comerciais AgriSA. A responsável adverte que a estabilidade do país está em risco: "Quem está a cultivar a terra, deve usá-la de forma produtiva e sustentável. No último ano vimos que aumentou a inquietação, a insegurança alimentar, é basicamente o caos. Este é o pior cenário que se pode ter perante este tipo de instabilidade.”
A reforma agrária poderia ser o símbolo de uma única nação em progresso. Mas, em vez disso, parece traduzir as profundas divisões raciais na África do Sul. Vinte e dois anos depois do fim do apartheid, muitos - como Lisa Mbele - ainda estão à espera da Justiça que lhes foi prometida.