Protestos e crise política agravam-se no Senegal
12 de fevereiro de 2024Aumentou para três o balanço de vítimas mortais da instabilidade e confrontos entre manifestantes e polícia no Senegal, na sequência da decisão do Presidente Macky Sall de adiar as eleições presidenciais inicialmente previstas para este mês.
Um adolescente de 16 anos morreu na noite de sábado (10.02), no hospital, depois de ter sido ferido em Ziguinchor, na região de Casamança. A cidade do sul é um reduto do líder da oposição, Ousmane Sonko, que está atualmente detido.
Jovens e forças de segurança entraram em confronto durante todo o dia. Os manifestantes bloquearam estradas e atiraram pedras às autoridades. O adolescente "foi atingido por um projétil na cabeça e morreu devido aos ferimentos nos cuidados intensivos", disse à AFP uma fonte hospitalar de Ziguinchor, sob condição de anonimato.
"Houve vários feridos graves durante os protestos e um morreu. Foi atingido na cabeça por uma bala", explicou Abdou Sane, coordenador do partido da oposição Pastef em Ziguinchor.
Dois outros jovens morreram na sequência de protestos na capital, Dakar, e na cidade de Saint-Louis, no norte do país, desde sexta-feira (09.02).
EUA e UE renovam apelos à paz
O Gabinete de Assuntos Africanos dos EUA partilhou as suas condolências com as famílias e amigos das vítimas numa mensagem nas redes sociais. "Entristece-nos saber que se perderam duas vidas", declarou no X, antigo Twitter.
"Apelamos a todas as partes para que atuem de forma pacífica e ponderada, e continuamos a apelar ao Presidente Sall para que restabeleça o calendário eleitoral, restabeleça a confiança e traga calma à situação", lê-se ainda na publicação.
Já a União Europeia (UE) exorta as autoridades senegalesas a "garantir as liberdades fundamentais", diz a porta-voz da política externa e de segurança do bloco, Nabila Massrali, também no X.
Uma grave crise
A decisão de Sall de adiar a votação presidencial mergulhou o Senegal numa das suas piores crises desde a independência de França, em 1960.
O país deveria eleger um novo chefe de Estado a 25 de fevereiro. O nome do atual Presidente não constaria do boletim de voto: após dois mandatos, Macky Sall não pode voltar a candidatar-se.
No entanto, a 3 de fevereiro, um dia antes do início da campanha eleitoral, Sall anunciou que a votação seria adiada. O Parlamento aprovou por maioria o adiamento das eleições para 15 de dezembro, mas alguns membros da oposição apresentaram uma queixa ao Conselho Constitucional.
Os manifestantes saíram à rua em reação a este anúncio e a polícia respondeu com gás lacrimogéneo. Os protestos de jovens contra as forças de segurança tornam-se cada vez mais violentos, num país há muito visto como um refúgio de estabilidade e democracia na África Ocidental, uma região assolada por golpes de Estado e agitação.
Sall afirma que adiou as eleições devido a uma disputa entre o Parlamento e o Conselho Constitucional sobre potenciais candidatos impedidos de concorrer. O Presidente diz ainda que pretende dar início a um processo de "apaziguamento e reconciliação" e reitera o compromisso de não se candidatar a um terceiro mandato, no meio de manifestações de preocupação da comunidade internacional.
Os líderes da oposição denunciaram a medida como um "golpe constitucional" e condenam a repressão dos manifestantes.
Onda de emigração à vista?
Os senegaleses estão em choque com a situação. "Se vemos o Presidente dizer que não vai realizar eleições em fevereiro de 2024, que quer inclusive adiá-las... como jovem, queres que o Presidente organize eleições e depois deixe o poder", diz Cheikh Ndiaye, um ator de 37 anos em Yarakh, perto da capital senegalesa.
"Mesmo as pessoas que não querem emigrar para a Europa, quando veem esta situação, começam a pensar de forma diferente. Lamento, mas isto encoraja os jovens a deixar o país", considera.
Uma das consequências imprevistas do adiamento das eleições poderá ser uma nova vaga de emigração, com repercussões não só para o Senegal mas também para a Europa. O país da África Ocidental tem uma população de mais de 18 milhões de habitantes.
Samira Daoud, que dirige o gabinete da Amnistia Internacional para a África Ocidental e Central, afirma que as razões subjacentes à migração podem ser económicas ou políticas e lembra que "as razões económicas são muitas vezes determinadas por razões políticas e pelo contexto político".
Até agora, o Senegal era visto como uma democracia estável numa região que sofreu seis golpes de Estado desde agosto de 2020. Esta estabilidade sempre foi importante para o investimento estrangeiro, frisa Ibrahima Kane, advogado e analista da iniciativa Open Society para a África Ocidental.
"Tudo o que ganhámos, em termos económicos e outros, foi graças à nossa imagem no estrangeiro", diz o analista. "O Senegal não é rico, tem poucos recursos naturais. Mesmo as reservas de gás e petróleo de que se fala - toda a gente sabe que não há lá grande coisa".
Em vez disso, considera, a grande vantagem do Senegal tem sido o seu sistema democrático. Agora, isso vai perder-se, com Kane a prever que "o soft power que o Senegal tinha vai desaparecer".
Instabilidade na África Ocidental
Os investidores têm tendência para se retraírem antes de uma eleição - e essa situação pode agora manter-se durante quase um ano inteiro.
O investimento direto estrangeiro no Senegal aumentou nos últimos anos. De acordo com o Relatório Mundial de Investimento da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, ultrapassou os 2 mil milhões de euros em 2022, um aumento significativo em relação a 2021. O investimento é considerado fundamental para a industrialização do país e a criação de emprego. Todos os anos, cerca de 200.000 jovens entram no mercado de trabalho do Senegal.
Mas não é só a economia que pode sofrer com a instabilidade. Os observadores temem que as repercussões políticas do adiamento das eleições possam ser devastadoras. O Senegal partilha uma fronteira com o Mali. Grupos terroristas afiliados à Al-Qaeda e ao grupo "Estado Islâmico" estão ativos no país, bem como nos Estados do Sahel, Burkina Faso e Níger. Os países vizinhos mais a sul já lidam com o problema há muito tempo, mas até agora o Senegal tem sido uma espécie de exceção.
Ibrahima Kane está pessimista quando ao futuro: "Nos últimos dois ou três anos, houve muitos casos de células terroristas adormecidas baseadas no Senegal, que foram levadas a tribunal", afirna. "Isto mostra que o país não é imune a estas coisas". A preocupação é de que os grupos islâmicos possam explorar a atual crise política interna.
CEDEAO fragilizada
A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) também foi afetada. A 28 de janeiro, o Mali, o Burkina Faso e o Níger, todos eles atualmente governados por juntas militares na sequência de recentes golpes de Estado, anunciaram a sua retirada do bloco. Isto torna o Senegal ainda mais importante, afirma Philipp Goldberg, diretor do Centro de Competência para a Paz e Segurança da Fundação Friedrich Ebert na África Subsariana, em Dakar.
"O Senegal é um Estado membro muito importante, não só para a CEDEAO, mas também para o envolvimento multilateral em geral", sublinha. O responsável lembra que o país foi o maior contribuinte africano de tropas para a missão de estabilização das Nações Unidas no Mali, que terminou no ano passado após desentendimentos com o governo militar. "Tem havido aqui um envolvimento político significativo nas questões regionais".
De acordo com Goldberg, a CEDEAO receia que o Senegal se torne mais um fator de desestabilização. A organização, que anteriormente tinha 15 Estados-membros, está a perder cada vez mais credibilidade. Tem criticado fortemente os golpes militares e, no início da semana passada, instou o Senegal a cumprir o calendário eleitoral.
No entanto, o analista considera que a CEDEAO formulou as suas declarações de uma forma muito diplomática, vaga e amigável: "Essencialmente, felicitaram Macky Sall por ter respeitado a Constituição do seu país e não ter procurado um terceiro mandato. Penso que isso mostra muito claramente como a região está nervosa".