Quando os alemães também tinham de emigrar
28 de setembro de 2013Há 90 anos, uma jovem alemã chamada Martha Hüner chegou de malas e bagagens ao cais de Bremerhaven, no norte da Alemanha. Martha vinha de Geestemünde, um bairro da cidade. No seu bilhete, como destino: os Estados Unidos.
Era o ano de 1923. Cinco anos antes, a Alemanha saíra derrotada da primeira Guerra Mundial. O país enfrentava graves problemas económicos – um deles, a chamada "hiperinflação". Os preços atingiram níveis inacreditáveis e a moeda alemã ficou praticamente sem valor. Em outubro de 1923, um pão chegou a custar mais de 5 mil milhões de marcos, segundo o Banco Central alemão.
Os salários também subiram com a inflação. Mas, muitas vezes, o dinheiro não chegava para comprar os bens essenciais. A pobreza alastrou-se a milhões de pessoas. Para muitos, a única solução era mesmo emigrar.
Martha Hüner tinha família nos Estados Unidos. Foram os familiares que lhe pagaram o bilhete. Martha partiu do norte da Alemanha rumo a Nova Iorque a 30 de novembro de 1923. Ela sonhava com melhores oportunidades de emprego para ajudar a família na Alemanha.
A viagem a bordo do navio "München" demorou duas semanas. Quando o gigante de ferro com duas grandes colunas a cuspir vapor chegou a águas norte-americanas, em terra já se preparava o Natal, escreveu Hanna Wolff num livro sobre a vida da sua irmã Martha.
Ao chegar aos Estados Unidos, Martha Hüner, na altura com 17 anos, viu, pela primeira vez, a Estátua da Liberdade. A bordo, os passageiros "acotovelavam-se" para ver o monumento mais de perto.
Uma escova na vitrina
Na bagagem para os Estados Unidos, Martha levava uma escova para cavalos que o pai lhe tinha oferecido. Entretanto, essa escova regressou a Bremerhaven e está hoje em exposição na Deutsches Auswandererhaus, um museu alemão sobre migração, que fica naquele que foi, em tempos, um dos maiores portos de embarque de emigrantes na Europa.
Junto a uma vitrina, onde está a escova, fica também um dispositivo, que se assemelha a um velho telefone. Ao pegar no auscultador, a voz de uma locutora conta a história de Martha, incluindo o momento em que o pai lhe ofereceu a escova para cavalos, uma herança de família.
"Leva a escova, [disse o pai]. Em Bremerhaven já não vou ter nenhum cavalo. Certamente vais casar com um 'cowboy' na América", diz a gravação.
Quando chegou aos Estados Unidos, Martha começou por trabalhar com a tia e conseguiu, a seguir, emprego como ama de duas crianças. Pouco depois, Martha casou. Não com um "cowboy" mas com um padeiro alemão, que anos antes também tinha emigrado. Em 1932, Martha e o marido acabaram por abrir a sua própria padaria.
Uma descoberta no museu
A entrada na exposição sobre migração em Bremerhaven faz-se por uma pequena sala de espera, com as portas fechadas à chave. É preciso ter autorização para viajar, ou seja, para entrar na exposição. A escova para cavalos de Martha está numa galeria cheia de pequenas gavetas com nomes de emigrantes. A galeria recorda os mais de sete milhões de alemães que deixaram o país nos séculos XIX e XX.
Marion, uma das visitantes do museu, passou por lá. Marion viu também a reconstrução de um interior de um quarto de navio, forrado de beliches. Visitou ainda uma espécie de caixa aberta, feita de grades, dos serviços de imigração norte-americanos.
Mas uma outra sala prendeu a sua atenção – uma sala adornada com retratos de família e repleta de computadores. Foi aí que Marion fez uma descoberta. A alemã de 45 anos abriu os olhos de espanto ao encontrar o nome da tia numa lista de eleitores de Ontário, no Canadá, que estava nos arquivos digitais sobre emigrantes disponíveis no museu.
Uma alta taxa de desemprego no pós-guerra
"A minha tia Käthe conheceu o marido depois da segunda Guerra Mundial", explica Marion. "Ele já tinha família no Canadá e perguntou à minha tia se queria ir com ele. Ela disse que sim. Eles chegaram ao Canadá com 20 dólares no bolso. Mal falavam inglês".
Também depois da segunda Guerra Mundial, muitos alemães tiveram de deixar o país. Uns tentavam escapar a perseguições, outros faziam-no por razões económicas.
"Depois da segunda Guerra Mundial, temia-se que não houvesse uma retoma económica. A situação era dramática", refere Karin Heß, investigadora no museu sobre migração em Bremerhaven. "Havia pouco espaço de habitação para os muitos habitantes. A taxa de desemprego era elevada. Muitos esperavam encontrar trabalho em países como o Canadá ou a Austrália."
Uma boia de salvação na crise económica
Käthe, a tia de Marion, tem hoje 73 anos.
Desde que ela partiu para o Canadá, há mais ou menos cinquenta anos, muita coisa mudou. A Alemanha transformou-se na maior economia europeia e numa das mais fortes economias do mundo. Contribuíram para isso: a ajuda externa, por um lado, e, por outro, a aposta alemã na produção industrial e nas exportações, por exemplo.
Muitos tentam encontrar trabalho neste país economicamente bem-sucedido. Segundo a OCDE, só em 2011 mais de 300 mil pessoas entraram na Alemanha. A Alemanha está entre os países industrializados que recebem mais pessoas. Muitas delas vêm de países como a Grécia, Espanha e Portugal, países europeus que enfrentam graves problemas financeiros.
Mas a emigração alemã não acabou. Todos os anos, dezenas de milhares de alemães continuam a deixar o país. No entanto, os motivos que os levam a emigrar já não são os mesmos que no tempo de Martha Hüner e de Käthe, no século XX.
Regra geral, os alemães que vão para o estrangeiro já não o fazem por desespero económico. Muitos vão para fora para ter melhores oportunidades de emprego, ganhar mais dinheiro ou para experimentar novos mercados, por exemplo. Mas, com alguma facilidade, podem sempre apanhar o avião de regresso.
Segundo a investigadora da Deutsches Auswandererhaus, Karin Heß, "hoje fala-se mais de mobilidade do que de emigração. Já não é algo definitivo, tal como se associava à emigração do século XIX."
Um local de memórias em Bremerhaven
A mudança também se sente em Bremerhaven. O porto da cidade deixou de ser local de embarque de emigrantes como Martha Hüner. É, agora, local de memórias, de um museu e também um local estratégico para exportar tecnologia alemã.
Martha Hüner regressou a Bremerhaven antes de morrer, aos 81 anos. Martha partira dali rumo aos Estados Unidos há mais de 60 anos. No epitáfio da sua sepultura, pode ler-se: "A pátria é onde está o coração". Ao lado está uma figura em pedra que representa a Estátua da Liberdade.