Autoridades depostas e de transição dialogam
1 de outubro de 2012O presidente da Guiné-Bissau deposto pelo golpe de Estado no último mês de abril, Raimundo Pereira, e o atual chefe de Estado guineense interino, Manuel Serifo Nhamadjo, entraram em diálogo, neste domingo (30.09), na Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque.
Segundo o embaixador guineense na ONU, João Soares da Gama, o encontro teria sido apenas para a "criação de confiança" entre as partes. A intenção é começar identificando os pontos de divergência a serem trabalhados.
Depois do encontro, segundo a agência de notícias Lusa, as duas partes encarregaram os seus respectivos ministros dos Negócios Estrangeiros de continuar as discussões.
A opinião de um especialista
Para Fafali Koudawo, reitor da Universidade Colinas de Boé, na Guiné-Bissau, a iniciativa do encontro entre Pereira e Nhamadjo é bem vinda, embora um pouco tardia.
"Neste momento, em que ambas as posições estão muito rígidas, o diálogo direto entre os envolvidos é necessário. O país em causa é a Guiné-Bissau. As pessoas em causa são os guineenses. É melhor que os guineenses dialoguem entre si para acertarem as posições e depois informarem os seus apoiantes para limar as dificuldades", explica Koudawo.
O especialista defende que as conversações entre Pereira e Nhamadjo são melhores que diálogos entre intermediários das forças opositoras guineenses. O argumento que usa é que também os intermediários têm suas próprias estratégias e interesses a defender. Talvez esses interesses são sejam os mesmos dos guineenses, explica o intelectual.
Interferência estrangeira
A DW África perguntou ao professor se o braço de ferro entre a CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da Africa Ocidental) e a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Potuguesa) atrasa o alcance de uma solução para a Guiné-Bissau.
"Na verdade, há uma tradição internacional: uma organização subregional é importante na resolução de um conflito. Neste caso, a CEDEAO é a organização mais próxima do foco de conflito, porque a Guiné-Bissau é membro desta comunidade que recebeu um mandato também da ONU de procurar soluções."
Tanto Serifo Nhamadjo quanto Raimundo Pereira estiveram nos Estados Unidos mas não discursaram em nome da Guiné-Bissau na 67ª Assembleia Geral da ONU que deve terminar nesta segunda feira (1.10), em Nova Iorque.
"Normalmente as Nações Unidas não são parte de um conflito. Deveriam estar no meio dos desavindos." Koudawo refere que hoje, as Nações Unidas tse ornaram no palco das desavenças.
"Um acontecimento que marca profundamente a população guineense porque o país começou a falar na tribuna da ONU antes do acesso à independência, colocando Portugal numa dificuldade enorme no plano internacional. Hoje é a Guiné-Bissau que está numa posição difícil e humilhante neste mesmo palco."
Koudawo acredita que teria sido melhor que a situação guineense fosse "consertada muito antes, para que o palco onde a Guiné-Bissau obteve a sua maior glória não se torne também o cenário em que precise passar a sua maior vergonha".
Entenda o caso
O encontro para um diálogo entre Nhamadjo e Pereira foi o culminar de uma semana diplomática intensa e de expectativa sobre quem usaria da palavra na Assembleia Geral da ONU para representar a Guiné-Bissau.
Recorde-se que estava planeada, para sexta feira (28.09), a intervenção de Raimundo Pereira nas Nações Unidas. Porém acabou suspensa após uma queixa apresentada pela CEDEAO.
A decisão de suspender a intervenção do presidente deposto silenciou a voz dos guineenses, na opinião do ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor-Leste, José Luís Guterres. "É profundamente lamentável que o presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas não tenha dado voz ao representante legítimo da Guiné-Bissau."
A queixa apresentada pela CEDEAO advogava que a intervenção de Raimundo Pereira na Assembleia Geral da ONU iria aumentar a instabilidade na Guiné-Bissau. A queixa deveria ser avaliada pelo comitê de credenciais da Assembleia Geral que por seu turno deveria fazer uma recomendação ao presidente do plenário, que depois decidiria sobre a intervenção do presidente deposto. Contudo, dificilmente este processo virá a ser concluído, uma vez que a Assembleia Geral da ONU deverá terminar nessa segunda feira.
Apesar de não usar da palavra, Raimundo Pereira considerou uma "vitória" ter obtido o credenciamento da ONU, ao contrário do que aconteceu com as autoridades de transição.
Recorde-se que o governo de transição – cujo presidente interino é Serifo Nhamadjo – é apenas reconhecido e apoiado pela CEDEAO, que colide com a CPLP porque esta continua a apoiar as entidades guineenses depostas pelo golpe de Estado.
Para a comunidade internacional, as Nações Unidas e para a CPLP, o governo legítimo na Guiné-Bissau é aquele escolhido nas eleições livres e transparentes, acredita o ministro timorense.
Autores: Glória Sousa e Nádia Issufo
Edição: Bettina Riffel e António Rocha