Rui Moreira: "Portugueses não vão desinvestir em Moçambique"
17 de dezembro de 2024Os empresários portugueses com negócios e investimentos em Moçambique "estão tristes” e preocupados com o futuro do país, depois da crise pós-eleitoral despoletada por denúncias de fraude que motivaram protestos de várias semanas, com efeitos nefastos para a economia.
Apesar disso, Rui Moreira de Carvalho, presidente da Câmara de Comércio Portugal-Moçambique (CCPM), considera que o que está a acontecer no país da África Austral "é mais um problema geopolítico”, que não beliscará as relações económicas luso-moçambicanas.
Em entrevista à DW, Moreira de Carvalho, que nasceu em Moçambique em 1962, não sabe o que irá acontecer depois do dia 23 deste mês quando o Conselho Constitucional se pronunciar sobre os resultados das eleições de 9 de outubro. Mas acredita que a turbulência irá passar com o tempo.
Para o engenheiro, doutorado em Gestão e mestre em Economia, "não é isto que faz aumentar ou diminuir as trocas”, ou que "faz diminuir de uma forma abrupta o crescimento económico moçambicano e a expectativa de captação de investimento”.
DW África: Na qualidade de membro da direção da CCPM, como é que vê ou recebeu o que está a acontecer em Moçambique? Que avaliação ou ponderação tem feito da situação?
Rui Moreira de Carvalho (RMC): Enfim, é um momento infeliz, mas a história tem sempre os seus altos e os seus baixos. E esses momentos infelizes também servem de reflexão e, por vezes, de apoio a uma construção de um futuro melhor.
DW África: Portanto, esta crise pós-eleitoral está, certamente, a ter reflexos nas relações económicas com Portugal?
RMC: Não é tanto com Portugal, é com o mundo. E é com os moçambicanos em particular. Isto não é um problema em concreto de relações Portugal-Moçambique. Isto é mais um problema geopolítico, de uma região do mundo que está a ficar desnecessariamente instável. Não é isto que faz aumentar ou diminuir as trocas. Faz diminuir de uma forma abrupta o crescimento económico moçambicano e a expectativa de captação de novo investimento, quer por moçambicanos em Moçambique, quer por outras partes do mundo em Moçambique.
Os portugueses, os chineses, os americanos ou os sul-africanos vão sempre atrás das oportunidades de negócio. Ora, a instabilidade não começou com o processo eleitoral, a instabilidade começou com os últimos processos eleitorais em que todas as suas respostas não eram transparentes. Isto leva naturalmente a um agudizar dos problemas. E é isso que estamos [a registar] agora, digamos, um campo fértil que é seco, triste, é um campo fértil de perturbação.
DW África: Tem uma ideia do impacto, na sua conversa com os empresários; o que é que eles dizem em relação à situação no país? Receiam o futuro?
RMC: Não dizem nada em concreto porque estão particularmente tristes. Tristes com a pior das coisas que pode acontecer, que é o medo do futuro. Isto é um facto em concreto daquilo que se vê e que sugere uma fragilidade das instituições. Acredito que tudo se vai recompor como é de esperar. O povo moçambicano é um povo cordato. As relações entre Portugal e Moçambique são estruturais, são mais do que circunstâncias.
DW África: Mas podia descodificar: o que é isso medo do futuro?
RMC: O medo do futuro é quando nós não sabemos o que é que vai acontecer amanhã. E, portanto, nós podemos dar um calendário, o 23, mas o 23 de dezembro, que é a data posta em cima da mesa sobre os resultados, mas sabemos que não é fácil imaginar, primeiro, os resultados, segundo, o que é que pode acontecer.
Enfim, eu tenho que ser mais claro, porque estou a fazer uma afirmação pública. Eu acredito que o vencedor foi o candidato da FRELIMO. O candidato eleito até agora, Daniel Chapo. Acredito pelas expectativas e pela notoriedade dos outros candidatos, podem ter uma força aqui e uma força acolá, mas a nível nacional a FRELIMO tem de facto uma máquina forte. Agora, quanto às diferenças, caberá aos especialistas, melhor do que eu dizê-lo. E caberá também aos locais.
Houve eleições. Considero que o candidato está eleito. E, portanto, tem que ter as condições de fazer o seu mandato.
Por outro lado, penso que o que falta aqui – e estou a falar à distância –, são interlocutores válidos na própria oposição. Tem sido um erro das instituições não darem maior valor, digamos, a personagens como a Ivone Soares, que está a fazer o doutoramento precisamente, o Manuel de Araújo, que é o presidente do município de Quelimane, o Samora Machel também, mas tantos outros, que são personagens com muito prestígio interno.
E depois [é de referir] um conjunto de bandidos, naturalmente, que também estão a aproveitar-se destas circunstâncias, de um desconforto político e social que existe na sociedade, para impor a [sua] regra, que é a regra do mais forte.
DW África: Acredita que, tarde ou cedo, será possível uma solução airosa ou uma reversão da situação para que os negócios e os investimentos voltem à normalidade?
RMC: Os negócios são um sucedâneo da paz. Ninguém ganha com o mal do outro. A paz é o maior bem. Viver é a maior alegria, nascer é a maior esperança. Portanto, tudo isto vai acontecer, falta saber se é mais cedo ou se é mais tarde. Eu espero que seja mais cedo e estou confiando que seja mais cedo.
Eu, se tiver um convite para a tomada de posse, em janeiro, eu irei. Não, enfim, em janeiro. Essa questão, porque acredito, e é importante mostrar que as instituições vingam. E penso que nada mais vai ficar igual. Mais uma vez, o ex-Presidente Joaquim Chissano provavelmente vai ter uma palavra de sabedoria. Nós, em África, dizemos o mais velho. E o mais velho deve ser respeitado.
E, portanto, isto aqui tem sempre uma vantagem em todas estas crises, que é perceber o mal que estava feito e que é preciso corrigir. Porque nem tudo é mal. Moçambique tem hoje um crescimento muito próprio. Está completamente diferente do que estava há 10, há 20, há 30 anos. Agora o que falta é distribuir esse crescimento e deixar acontecer o desenvolvimento de novas elites. É isto que é muito importante em Moçambique.
DW África: No atual cenário de crise, que abordagem faz no que toca ao futuro do investimento português em Moçambique?
RMC: Os portugueses não vão desinvestir em Moçambique. Nós portugueses nunca vamos deixar Moçambique. Por motivos simples. Porque também é o nosso amor. E esta cumplicidade vai sempre acontecer.
Estes são momentos turbulentos que vão naturalmente ser expurgados. E estou confiante que esta perturbação vai ficar ultrapassada.
Eu deixo uma palavra aqui de apreço a Moçambique, uma palavra de carinha a Portugal e aos portugueses, mas também um apelo a personagens tantas e tantas que eu, de uma forma ou de outra, orientei em teses, que acompanhei com amizade. Que emerjam e que digam que Moçambique tem [futuro].