Seca em Angola tem de ser resolvida com "planificação"
25 de março de 2021Milhares de angolanos fugiram para a Namíbia devido à seca e fraca produção agrícola nas províncias do sul do país.
As organizações humanitárias acusam o Governo em Luanda de ter feito muito pouco para evitar que as comunidades atingissem uma situação de fome aguda.
A DW África entrevistou o sociólogo e sacerdote católico Jacinto Pio Wacussanga, natural da Huíla, sul de Angola, que se tem destacado no apoio às comunidades afetadas pelas políticas de desalojamento e expropriação e pela seca em Angola:
DW África: Em que condições as comunidades estão a abandonar as aldeias para ir para a Namíbia?
Jacinto Pio Wacussanga (JPW): Não tenho números, mas são centenas de angolanos que depois de se verem desesperados, porque não têm nenhuma alimentação nem conseguiram cultivar absolutamente nada. Não conseguiram sequer cultivar uma décima parte [do que o costume]. Não veio chuva. As pessoas já vinham depauperadas de anos anteriores de estiagem. Já havia muita fome. Sabendo que a Namíbia tem um programa de assistência aos idosos e vulneráveis, não tiveram outra alternativa e saltaram a fronteira. É impressionante, porque vemos nas imagens que temos recebido crianças a acompanhar os adultos. Crianças de colo. Já não é só uma imigração de homens, é de homens e mulheres que andaram mais de 200 quilómetros.
DW África: O Governo angolano comprometeu-se a apoiar e anunciou projetos de combate à seca. O que tem falhado no plano do Governo?
JPW: É muita coisa que falha. Primeiro, porque do montante disponibilizado para apoiar a seca no Cunene, uma parte simplesmente desapareceu. Infelizmente a corrupção em Angola ainda está em alta. Em segundo lugar, não houve um levantamento exaustivo da situação que olhasse para as vulnerabilidades e potencial das pessoas e localidades, que envolvesse vários atores, como as igrejas, as organizações comunitárias e as lideranças tradicionais, bem como as agências especializadas em emergências.
DW África: O Governo não fez isso desta vez?
JPW: Não fez e nem está a fazer. Enquanto não vierem as eleições, o trabalho é de baixa intensidade. No próximo ano, quando estivermos próximos da votação, vai aparecer comida e todo o apoio.
DW África: Há registo de mortes neste processo?
JPW: Não sei de nada em relação aos que fugiram. Mas em relação aos que ficaram, a nossa medicina é tão orgulhosa que não nos permite dizer que as pessoas morreram de fome.
DW África: Na sua opinião, a taxa de mortalidade terá aumentado?
JPW: Absolutamente. De acordo com um levantamento feito pela Unicef, a má-nutrição severa aguda atingia, até janeiro de 2020, na Huíla e Cunene, 11.300 crianças. Nós estamos em março em 2021 e a situação não se compara, porque na altura até tinha caído alguma chuva.
DW África: Em que fase se encontra o projeto de criação de furos de água nas zonas afetadas pela seca?
JPW: Os furos não conseguem encontrar [água] à velocidade da procura. Há muita procura. É toda a região. Antes era só o Sudoeste - Huíla, Namibe e Cunene -, mas agora não. Agora é toda a região Sul, que inclui também Benguela, Huambo e Bié, que sofreram de forma gravosa os impactos das alterações climáticas.
DW África: Estaremos a falar de quantas pessoas em risco nestas regiões?
JPW: Infelizmente não há um levantamento sério, mas as agências das Nações Unidas estimam realmente em 2,5 milhões o número de pessoas em risco de enfrentar nos próximos anos uma situação de fome aguda. Não há um plano de contingência do impacto das alterações climáticas para se poder minimizar esse impacto. Não temos um Governo capaz de fazer a previsão desses fenómenos. As coisas estão extremamente centralizadas. Tudo é planificado em Luanda. Sem autarquias, o Governo não dá conta do recado quando os problemas acontecem.