"Sissoco quer transformar a Guiné-Bissau numa dinastia"
6 de junho de 2023As declarações do Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, de autointitular-se Kim Jong-un, o líder da Coreia do Norte, inquietam os analistas políticos guineenses.
Sissoco Embaló afirmou no último domingo (04.06), dia das eleições legislativas guineenses, que não vai permitir a contestação dos resultados eleitorais, nem manifestações de rua, como o que está a acontecer no Senegal, porque na Guiné-Bissau "quem manda é Kim Jong-un".
Jong-un lidera um regime considerado ditatorial e totalitarista, com todos os poderes centrados na figura do Líder Supremo.
Em entrevista à DW, o jurista Fodé Mané diz que as declarações de Umaro Sissoco Embaló no domingo são um mau presságio para o futuro político imediato na Guiné-Bissau: "Vamos desenhar uma situação de instabilidade, de conflito permanente".
DW África: Como avalia as declarações do Presidente guineense?
Fodé Mané (FM): Ao comparar-se com o líder norte-coreano, o Presidente está a mostrar que não tem sensibilidade democrática e que pretende transformar o Estado da Guiné-Bissau numa dinastia, como acontece na República da Coreia do Norte.
DW África: Mas como é que ela vai coabitar com um Governo, um Parlamento eleito democraticamente?
FM: Mostra que não vai conseguir coabitar. As suas declarações dizendo que não ia respeitar a vontade popular, no caso da coligação PAI - Terra Ranka ganhar, indicando Domingos Monteiro ou Geraldo Martins como primeiro-ministro, são graves. Ele está habituado a nomear os ministros. Os seus seguidores vão começar a dizer que há pastas do Presidente, há outras coisas... Para além desta limitação da lei de nomear como e quando quiser, exonerar o Procurador-Geral da República ou outras pessoas, vamos desenhar uma situação de instabilidade, de conflito permanente.
DW África: E acha que a comunidade internacional deveria assumir uma posição em defesa dos valores democráticos perante estas declarações do Sissoco Embaló?
FM: A comunidade internacional funciona na base de princípios. E os princípios democráticos, quando estão a ser violados, deve posicionar-se. Não se deve continuar a relacionar com quem não respeita os princípios democráticos. Foi o que fez com a Coreia do Norte, que sabemos que não tem relação com muitos países.
Mas o sancionamento da própria CEDEAO ao Mali, ao Burkina Faso e à Guiné-Conacri tem a ver com a falta de respeito dos princípios de direito no Estado de Direito Democrático. E a comunidade internacional não pode pactuar com isso e tem que agir. Hoje na cidade de Bissau, neste compasso de espera dos resultados, não se fala de outra coisa a não ser desta demonstração de que 'eu, quando quero, faço e posso', independentemente daquilo que a lei ou a comunidade internacional quer.
A comunidade internacional não só cruzou os braços como é cúmplice. Nós vimos o FMI a dar empréstimo a um Governo que não está suportado pelos representantes do povo, que não tem Parlamento. E a União Europeia a assinar acordos de pesca a menos de um mês para as eleições. O que é que podemos dizer? A comunidade internacional não só não respeitou os princípios, como foi cúmplice dessa situação de abuso de poderes. E nós estamos inquietos porque vamos ter uma situação em que o Parlamento, o Governo e o Presidente não se vão respeitar.