Tanzânia: Uma aldeia na corrida ao ouro
9 de fevereiro de 2013Kewanja, no noroeste da Tanzânia, fica a menos de meia hora de carro da fronteira com o Quénia. Pouco passa do meio-dia, quando a notícia começa a circular. Houve mais explosões na mina de ouro e os camiões trazem novas pedras. Agora tudo tem que ser feito rapidamente. Homens e mulheres, velhos e jovens atacam a enorme montanha que se estende pela estrada da aldeia até ao céu. Alguns estão armados com facalhões ou paus. Sobem e trepam, cavam e recolhem, na esperança de encontrar ainda algum ouro no meio do cascalho. Minutos depois, são disparados tiros. Dois polícias de uniformes verdes mergulham no topo da montanha. O sinal foi claro e os moradores vão-se embora. Pelo menos por enquanto.
Invasores e saqueadores
O assalto à mina tornou-se há muito um ritual diário em Kewanja. Para muitas pessoas aqui, é mesmo uma profissão. "Intruders" – "invasores" – é como se intitulam a si mesmos, porque o cascalho é propriedade da African Barrick Gold (ABG), uma subsidiária da canadiana Barrick Gold, a maior produtora de ouro do mundo.
As pedras são resíduos da mina a céu aberto próxima dali. Ainda assim, a empresa vigia-as. Para muitos moradores de Kewanja esta é a única fonte de rendimento. Aqui, cerca de uma em cada três pessoas trabalha como "invasor", sobretudo homens novos e jovens, mas até mesmo crianças.
"Eu não me orgulho muito disso, mas nós realmente não temos outra escolha", diz um jovem que usa uma camisola suja e que prefere não divulgar o seu nome. "Não temos emprego, não temos rendimentos. Este não é um bom trabalho, mas temos de viver de alguma coisa", explica. Os "invasores" vendem as pedras a intermediários. Depois são transformadas ilegalmente em pó e pepitas de ouro.
Sempre muitos mortos
Todos os dias, os "invasores" arriscam as suas vidas, porque a African Barrick Gold tem seguranças privados e a própria polícia tanzaniana a vigiar a mina. Alguns polícias são corruptos, dizem os "invasores". Em troca de um suborno, por vezes desaparecem por alguns minutos. No entanto, quando a situação escala, não poupam nos disparos. Há sempre mortos e feridos, que fazem as manchetes dos jornais locais. Só em 2012, pelo menos oito pessoas foram mortas na mina de Mara Norte.
A própria empresa não disponibiliza informação sobre as vítimas. Entre os "invasores", a raiva aumenta. "A Barrick não quer saber das pessoas aqui. É por isso que disparam contra em nós, como se fôssemos cães", critica um jovem. Os seus amigos concordam em silêncio.
O número de mortes registadas nos últimos anos é "alarmante", de acordo com um relatório da organização Centro Legal dos Direitos Humanos (LHRC), com sede em Dar es Salaam. E na maioria dos casos, os responsáveis não são punidos critica a diretora do LHRC, Helen Kijo-Bisimba. No outono de 2012, a organização de defesa dos direitos humanos denunciou a situação junto da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia.
Dinheiro subterrâneo
A mina a céu aberto faz lembrar uma escavação gigante. O metal precioso é retirado do solo através de explosões. Em 2011, foram extraídas 170.000 onças (4,8 toneladas). As rochas auríferas são depois trabalhadas em instalações gigantes. Em 2011, a ABG conseguiu mais de 200 milhões de euros em vendas só em Mara Norte.
A mina de Mara Norte já teve vários operadores. Em 2006, surgiu a ABG. A multinacional está há mais de uma década na Tanzânia e agora opera um total de quatro minas de ouro no país. Em Mara Norte, segundo informações da multinacional, 360 funcionários da empresa são das redondezas.
Indiretamente, 1.500 moradores estão envolvidos nos serviços da ABG. Não se trata, porém, de nenhum "milagre do emprego". A mina gera poucos empregos para os cerca de 70 mil habitantes das aldeias vizinhas. Alta rotatividade e pouco emprego: um problema que é típico do setor dos recursos naturais.
Projetos sociais
Também existe responsabilidade social na Tanzânia, sublinha repetidamente a multinacional. A ABG criou um departamento de "Community Relations" em Mara Norte, isto é, de "relações comunitárias". A equipa é composta por 17 homens e mulheres, que tal como assistentes sociais andam pela região para estabelecer contacto com anciãos das aldeias e líderes comunitários.
E também monitorizam os projetos sociais da multinacional. A African Barrick Gold orgulha-se sobretudo da Escola Secundária de Ingwe, que fica a poucos minutos de carro do local da mina.
As salas de aula deterioradas foram renovadas em 2012 pela ABG. Uma cafetaria e outros edifícios escolares estão a ser construídos por empresas locais, porque isso gera empregos, sublinha a porta-voz da multinacional. O diretor da escola, Joash Mageka, não poupa elogios ao empenho da empresa. "Antes, muitos alunos quando saíam das aulas iam trabalhar como 'invasores'. Agora já não há muitos que façam isso. A formação ajuda-os", conta.
A escola não é o único projeto da multinacional, que também investiu num hospital, numa estação de tratamento de água, em formação, em programas para combater a malária e a SIDA, entre outros. Desde 2010, a ABG diz ter gasto 20,6 milhões de dólares em projetos sociais na Tanzânia - o que representa menos de um por cento do total de vendas.
Uma parte significativa do dinheiro foi para Mara Norte. Mas como é que a responsabilidade social da multinacional se coaduna com a violência quase diária na região? "Com tempo, continuidade e confiança entre nós e a população, devemos conseguir, pelo menos, obter o respeito das comunidades", afirma Gary Chapman, o gerente da mina.
Uma região problemática?
Até 1992, a Tanzânia era um Estado socialista de partido único. Como os investidores estrangeiros não estavam autorizados a entrar no país, não havia lugar para o desenvolvimento de uma indústria de mineração moderna. Durante muito tempo, os moradores da aldeia extraíam eles mesmo o ouro - em pequenas quantidades, mas o suficiente para viver. No final dos anos 90, as empresas internacionais vieram para o país. Desde então, quase não há espaço para o garimpo de ouro de pequena escala e não-industrial.
Kewanja é uma das sete aldeias que ficam nas redondezas da mina de ouro. Estão entre as mais pobres do país, isoladas e negligenciadas pelo Estado. A maior parte dos habitantes pertence à tribo Kuria, que vive na fronteira entre o Quénia e a Tanzânia e que tradicionalmente se dedica à agricultura e à pecuária. As ruas estão cheias de buracos e ter água corrente e eletricidade é considerado um luxo. A maioria da população vive com menos de um dólar por dia.
O que corre mal em Mara Norte? O próprio ministro de Minas e Energia, Sospeter Muhongo, é da região de Mara Norte. É geólogo e ocupa o cargo há apenas alguns meses. Quer que as multinacionais assumam mais os seus deveres e reclama por mais rigor na cobrança de impostos. Além disso, os simples garimpeiros deverão obter novas áreas de mineração. Como isso irá exatamente funcionar é ainda incerto. "Nós já tentamos tudo e vamos continuar a fazer o nosso melhor para garantir a paz e a segurança na região", afirma o ministro. "Para conseguir isso é preciso investir, principalmente na educação. Quando as pessoas receberem formação, vão começar a pensar de forma diferente", considera. Quanto ao fracasso da política no passado, Sospeter Muhongo nada quer saber.
Negócios ilegais em alta
Falar em crescimento económico ou mesmo em boom seria exagerado aqui no Mara Norte. Ainda assim, o negócio do ouro também atrai pessoas vindas do estrangeiro. David Arumba, por exemplo, veio há mais de um ano do vizinho Quénia. Tem 25 anos e foi a única pessoa da sua família que frequentou a escola. David abriu um pequeno serviço de lavagem de carros em Kewanja. A sua mulher vende bananas e gasolina em garrafas de plástico.
Com equipamento de lavagem de alta pressão, David lava as motas dos habitantes da aldeia. Os seus melhores clientes são os "invasores", porque muitos deles têm trazido uma modesta prosperidade. Nas carroçarias, os fãs do Chelsea colam autocolantes do clube de futebol de Londres. Alguns têm mesmo pequenos rádios e altifalantes nas suas motas. "Piki piki" é o nome pelo qual são conhecidas as motas aqui - símbolos de status, numa das regiões mais pobres do país.
"A maior parte dos invasores são abatidos ou feridos", diz David. "Eu não queria ter constantemente medo da polícia ou sentir-me culpado. Por isso, montei um pequeno negócio. Desta forma, sinto-me livre", acrescenta. Por dia, David ganha 50.000 xelins tanzanianos (cerca de 25 euro). Não é ouro, diz, mas é dinheiro honesto.