Terá sido 2020 um ano perdido na relação entre África e UE?
19 de novembro de 2020A União Europeia (UE) via 2020 como o grande ano para suas relações com África e elaborou uma nova estratégia para reforçar parcerias com o continente africano. Bruxelas criou grande expectativa para cimeira de outubro, que negociaria o Acordo de Cotonou.
A nova estratégia da UE para a África foi apresentada em março pelo alto representante para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrel, juntamente com a comissária de Parcerias Internacionais, Jutta Urpilainen.
"A União Europeia é a primeira parceira de África em diversas áreas, como o comércio, investimentos, desenvolvimento, cooperação e segurança. Queremos que essa parceria permaneça para ampliá-la ainda mais e torná-la ainda mais eficiente", disse Urpilainen.
A cimeira UE-África foi adiada para abril de 2021 devido à pandemia e a nova estratégia do bloco europeu para África ainda não foi aprovada pelos países membros. Um novo Acordo de Cotonou também não está à vista. Uma agenda que reforçaria as relações económicas entre as duas regiões resta pendente.
Foco da Alemanha
O Governo da Alemanha - que está desde julho na Presidência do Conselho Europeu - desempenhou um papel decisivo. Num discurso em maio, a chanceler Angela Merkel disse que África é um dos focos da política externa do país.
No entanto, Mathias Mogge, da Associação de Políticas de Desenvolvimento e Ajuda Humanitária alemã, VENRO, diz que o engajamento inicial perdeu a força. Para Mogge, a UE já está muito preocupada consigo mesma também devido à crise gerada pela pandemia de Covid-19.
"Trata-se de muitos mil milhões de euros a serem distribuídos. Dessa maneira, o tema do acordo de parceria com África ficou num segundo plano. Mas não quero aqui afirmar que Angela Merkel não se importa com esta questão", explica.
Os países africanos não se importaram com o adiamento da cúpula – e não apenas por causa do novo coronavírus. A frustração sobre a relação atual do continente com a UE é grande.
"As relações entre África e Europa nunca foram um negócio justo. Fala-se de cooperação internacional e parcerias, mas esta relação ainda está enviesada por uma espécie de relação entre o superior e o inferior, em que a Europa assume a posição de um mentor e África a de um pupilo", diz Lynda Iroulo, do Instituto GIGA de Estudos Africanos.
"Não está a funcionar”
Muitos políticos africanos pensam de forma semelhante, assim como os representantes da sociedade civil. Uma pesquisa recente da VENRO mostra que metade dos funcionários de organizações não-governamentais africanas ouvidos no estudo avalia que a cooperação com a Europa não está a funcionar bem ou não está a funcionar.
O principal ponto de discórdia são as relações económicas. Por um lado, a UE é o mais importante parceiro comercial de África, representando 31% das exportações e 29% das importações. Por outro lado, a contrapartida é extremamente desigual.
Os países europeus importam sobretudo matérias-primas de África, mas exportam bens de alta qualidade, como produtos industriais. Desta maneira, a economia de África dificilmente pode sair da espiral de dependência.
"Esta estrutura unilateral não ajuda a eliminar os problemas do continente, que são, acima de tudo, o alto desemprego e um grande setor informal com um alto nível de subemprego. Deveria ser do interesse da Europa mudar este rumo", explica Robert Kappel, autor de um estudo sobre as relações entre África e UE.
Um segundo ponto de discórdia é a migração. A UE exorta os países africanos a proteger melhor as suas fronteiras para evitar que os cidadãos migrem para a Europa de maneira ilegal e, para isso, oferece dinheiro e apoio aos Governos. Mas a estrutura do sistema migratório europeu visa essencialmente excluir os africanos.
Pode 2021 ser um novo ano para África? É provável que a cúpula entre os dois continentes ocorra em abril, como planejado, mas fica a questão se os políticos de ambos os lados podem concordar sobre as condições de uma parceira genuína.