Tribunais moçambicanos tornam-se "instrumentos de repressão"
22 de dezembro de 2023Os tribunais das judiciais da cidade de Nampula e do distrito de Nacala suspenderam das funções de edis Paulo Vahanle, na cidade de Nampula, e Raul Novinte, em Nacala, acusando-os de incitação à violência aquando das manifestações de contestação aos resultados das eleições autárquicas.
Numa publicação com data de 20 de dezembro, o Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), acusa a FRELIMO de usar a justiça coomo uma arma de arremesso contra opositores políticos.
Em entrevista à DW África, o jurista Elvino Dias concorda com o CDD e acrescenta que os tribunais estão a intrometer-se na política em Moçambique.
DW África: Como analisa as decisões dos tribunais de suspender Paulo Vahanle e Raul Novinte?
Elvino Dias (ED): Olhando para o contexto histórico em que tais decisões foram proferidas pelos tribunais, eu penso que os tribunais estão a ser usados como instrumentos de perseguição política. Isto é, pela primeira vez vimos tribunais a intrometer-se na política e a serem usados como instrumentos de repressão. No meu entender, não podemos de forma alguma perder de vista o que está por detrás desses três discursos, que também, por mim, não configuram nenhuma ilegalidade. O senhor Raul Novinte chamou os seus munícipes, [disse] que Quelimane foi defendido por quelimanenses, Nacala deverá ser defendida pelos nacalenses. Salvo opinião em contrário, não consigo encontrar nesta frase, em concreto, qualquer ato que configure qualquer tipo de crime de incitação à violência. Tanto é que, desde que o senhor Raul Novinte novamente proferiu essas palavras, nunca vi algum nacalense a partir uma montra ou agredir quem quer que fosse por conta dessas palavras.
DW África: Mas não acha que, juridicamente, o juiz proferiu essa decisão como forma preventiva?
ED: A questão que se coloca é: as palavras proferidas pelo senhor ouvinte têm ou não alguma virtualidade para configurarem qualquer tipo legal de crime? Obviamente que não têm, porque a incitação à violência pressupõe ou pressuporia que o senhor Rail Novinte dissesse às pessoas para partirem montras ou destruíssem isto e aquilo em defesa de Nacala. Não foi o que ele disse.
DW África: Mas quando diz que os tribunais estão a ser usados para perseguir a oposição, encontra nesse fundamento alguma intromissão do poder judicial num processo que não tinha nada que ser judicial?
ED: Obviamente, é uma forma de calar a boca e calar os restantes candidatos que justamente estão a reclamar os seus votos, que foram levados em plena luz do dia pelo Conselho Constitucional e pela CNE. Se nós olharmos para o teor da frase do senhor Raul Novinte, que por conta dessa frase está suspenso das suas funções, concluímos nitidamente que para aquele caso em particular, os tribunais estão a ser usados como um instrumento de repressão. É uma medida de coação que lhe foi aplicada, que de certa forma, está a colocar em causa o interesse público dentro da autarquia de Nacala, porque ele é um presidente eleito e que ainda está dentro do seu mandato até à tomada de posse do novo presidente. Não faz sentido que ele praticamente não termine o seu mandato.
DW África: Mas o próprio tribunal tem poderes para suspender um presidente eleito?
ED: Na verdade, o Código do Processo Penal atribui esse poder, não para os presidentes eleitos ou não, para qualquer cidadão. E uma vez que os presidentes dos municípios não têm imunidade, tal como acontece com um deputado ou qualquer outra figura, aí eu acho que sim, pode haver espaço nesse sentido.