Trégua: Sinal positivo para a paz, diz analista
4 de janeiro de 2017A primeira trégua entrou em vigor a 28 de dezembro de 2016 e termina nesta quarta-feira (05.01.). O objetivo era proporcionar momentos de paz aos moçambicanos durante a quadra festiva. Entretanto, o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, anunciou nesta terça-feira (03.01.) o prolongamento da trégua, desta vez por dois meses. A DW África entrevistou Calton Cadeado, docente do Instituto Superior de Relações Internacionais em Maputo, sobre o significado das cessações temporárias das hostilidades.
DW África: Com mais esta trégua de dois meses pode-se entender que um contato direto entre os oponentes pode ser mais frutífero?
Calton Cadeado (CC): O contato direto é frutífero por questões políticas, para questões de curto prazo. Mas para questões técnicas e de longo prazo geralmente não se consegue avançar com resultados que possam ser sustentáveis, sempre são de curto prazo e para objetivos políticos de curto prazo.
DW África: No contexto de negociações de paz essas tréguas podem ser consideradas como um sinal positivo com vista ao alcance da paz?
CC: Com certeza, há um lado positivo aqui, que já está a ser salientado pelo próprio chefe de Estado que é o restabelecimento da confiança, principalmente porque este é o mecanismo indireto que está a ser construído sem nenhuma pressão para pôr em marcha um processo de paz que vai durar muito tempo. Mas é salutar e é para a criação de confiança.
DW África: Entretanto, na mesa de diálogo há desentendimento quanto ao tratamento que está a ser dado ao processo de descentralização. Esse ponto poderá precipitar o reterno dos confrontos?
CC: Este é um ponto crucial, parece-me que é a bandeira crucial da RENAMO para satisfazer os seus interesses políticos imediatos. Mas há outros pontos que ainda vão surgir, e quanto a mim, num processo negocial é normal. Mas obviamente há questões militares que vão estar na mesa de negociações, e quanto a mim essas é que pesam mais do que necessariamente os aspetos políticos que estão a ser colocados neste momento. É só reparar que no processo negocial em Roma, para a última parte da negociação. Hoje estamos a ter os mesmos problemas por causa desses mesmos assuntos. Portanto, a questão da descentralização é boa para restabelecer o ponto de confiança. Eu chamo a isto de negociações de confiança. Mas há outros assuntos que vão pesar mais do que necessariamnete a questão da descentralização
DW África: Os mediadores internacionais deixaram Maputo em dezembro sem fazerem o habitual informe sobre os resultados da mediação. Qual é a sua avaliação sobre o papel desta equipa no processo de negociações?
CC: Acho que a mediação serviu para aproximar as partes, pelo menos no que diz respeito a comunicação, este é um aspeto fundamental em processos negociais, a comunicação. Estava a haver ruido na comunicação, estava a ser difícil, e acho que é aí onde há mérito na negociação. Mas do ponto de vista de aproximação de interesses políticos próprios das partes a mediação só serviu, do ponto de vista político, para criar alguma confiança do lado da RENAMO. Quando falamos de negociações em desiquilíbrio de poder, o mediador sempre aparece para dar confiança aquele que tem menos poder, e neste caso parece-me que é a RENAMO, e há muitas evidências disso. Quem está no poder tem a máquina governativa, tem as forças armadas, tem o apoio internacional para o proteger e neste caso a FRELIMO, o Governo e o Estado moçambicano têm o apoio de toda a região austral. E os mediadores tinham de ser um elemento de confiança para dar também um pouco de poder negocial a RENAMO, vindo do teatro de guerra. Então, para a comunicação e para aliviar as tensões foi bom. Mas sob o ponto de vista de avanços de interesses políticos de ambas as partes depende só dos donos do conflito e esses é que têm de fazer a negociação avançar e levar o caso a bom porto, que é a paz. Mas é de aceitar, porque estamos a falar de uma negociação que é político-militar.