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Tudo em aberto na retomada das negociações em Moçambique

Maria João Pinto9 de setembro de 2016

Conversações arrancam novamente na segunda-feira (12.09). Poderá haver progressos, mas, num contexto de ataques e acusações, cessar-fogo definitivo e cedências são realidades ainda distantes, diz analista.

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Foto de arquivo: diálogo entre RENAMO e FRELIMO em 2014Foto: DW/L. Matias

As negociações de paz em Moçambique, com a participação de mediação internacional, foram suspensas em agosto e são retomadas esta segunda-feira, 12 de setembro, em Maputo.

Durante esta pausa, uma subcomissão continuou a discutir os pontos reivindicados pela RENAMO. Antes de partirem, os mediadores internacionais deixaram alguns pedidos a ambas as partes, como, por exemplo, o fim das hostilidades, a presença de observadores internacionais nos locais de confronto e a criação de um corredor desmilitarizado para que possam encontrar-se como o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama.

No entanto, nas últimas semanas, continuam a registar-se ataques em Moçambique e mantém-se a troca de acusações entre o Governo da FRELIMO e a maior força da oposição. A DW África falou com o historiador e analista moçambicano Egídio Vaz sobre as expectativas para esta nova ronda de negociações.

DW África: Esperam-se novidades nesta nova fase dos trabalhos com os mediadores internacionais?

Egídio Vaz (EV): Não acredito que haja novidades logo na retomada dos trabalhos. Qualquer acordo que não estabeleça datas concretas e não inclua a desmilitarização não será de cessar-fogo e muito menos acordo de paz. Continuarei a chamar-lhe uma trégua.

20 Jahre Frieden Mosambik
Egídio Vaz, historiador e analista moçambicanoFoto: DW/Marta Barroso

Em 1992, o Acordo Geral de Paz previa a desmilitarização da RENAMO – não aconteceu. Em 2013, também não. Apesar de eu ser um grande entusiasta do cessar-fogo imediato, qualquer que seja o resultado, aparentemente positivo, não passará de uma trégua. Por outro lado, pela organização dos pontos da agenda, a paz virá depois da aceitação de um conjunto de condições, de cedências, nomeadamente a integração dos oficiais da RENAMO nas Forças de Defesa e Segurança. Isto é um processo longo. A questão mais importante, do ponto de vista jurídico-constitucional, é a reforma da administração e todo um conjunto de reformas legislativas e constitucionais que têm de ser feitas. Também não será possível fazer isto até ao final do ano.

Só a boa vontade entre as partes é que pode salvar Moçambique desta guerra: a pré-disposição para o cessar-fogo e uma concordata para continuar as negociações num clima de paz. Já fui um otimista. Neste momento, estou pessimista em relação a esta ronda de negociações.

DW África: Em concreto, o que é que acha que vai acontecer nesta nova ronda?

EV: Julgo que haverá algum progresso. Provavelmente, desta vez, o grupo de mediadores poderá encontrar-se com o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, com a abertura de um cordão de segurança. Poderá haver um recuo das partes em relação ao posicionamento das forças governamentais e um acordo de princípio de cessar-fogo para permitir a continuidade das negociações.

DW África: E o tão esperado encontro entre o Presidente Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama está mais perto de acontecer?

EV: Não sei quanto tempo é que os mediadores esperam ficar desta vez, mas, a grande novidade, a acontecer, é que os mediadores possam encontrar-se finalmente com o líder da RENAMO. O encontro direto de Afonso Dhlakama com o Presidente da República talvez aconteça no final do ano, entre novembro ou dezembro. Só para não ser totalmente pessimista. Mas não acredito. Não existem condições para que isso aconteça. O clima, principalmente do lado da FRELIMO, é de uma revolta total e de finca-pé, a avaliar por algumas das últimas declarações dos seus dirigentes. O dirigente da ACLIM (Associação dos Combatentes da Luta de Libertação de Moçambique), um dos órgãos sociais da FRELIMO, que congrega quase todos os veteranos de luta pela libertação nacional, pediu armas ao Presidente da República para combater e liquidar Afonso Dhlakama e a RENAMO. Estas declarações não passam despercebidas.

Mosambik Maputo Präsident Filipe Nyusi (R) und Oppositionsführer Afonso Dhlakama
Encontro entre Dhlakama e Nyusi em fevereiro de 2015, em MaputoFoto: Getty Images/AFP/S. Costa

Não acredito, definitivamente, que haja um encontro direto entre o Presidente da República e o líder da RENAMO, até porque o Presidente está neste momento numa viagem pelas províncias e, logo depois, vai a Nova Iorque. A sua agenda está bem organizada. Não se “cozinhou” este encontro. E, durante este tempo de interregno, pouco avançou, senão mesmo nada.

DW África: Como sair deste impasse?

EV: Com cedências. Tenho esperança que, mais tarde ou mais cedo, vamos voltar a viver num clima de paz. Mas vai depender também dos novos factores que surgirem no terreno. Ambas as partes estão a intensificar os mesmos factores, estão a tentar recomeçar as ações militares para mostrar à outra parte o seu posicionamento e fazê-la ceder. São os mesmos jogos, os mesmos instrumentos. Eventualmente haverá novos factores. Para já, estão longe. Por exemplo, em 2017, haverá eleições autárquicas e os dois partidos vão querer estar bem preparados, terão interesse em concorrer. É um factor que pode fazer com que a trégua surja no próximo ano.

As duas partes são teimosas, não querem reconhecer que a guerra não as vai levar ao poder. Do lado da RENAMO, há muita teimosia. Não é possível sair da Gorongosa para a Presidência da República, isso não vai acontecer. O poder vai ter que ser ganho nas urnas. Do lado da FRELIMO e do Governo, o problema é o mesmo. É preciso reconhecer que o processo foi mal gerido durante 21 anos e que agora há uma oportunidade para “passar a limpo” tudo o que aconteceu. É preciso ter coragem, mas Nyusi está a ter alguma resistência a nível interno.

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DW África: Outras forças políticas, como o MDM, e organizações da sociedade civil, pedem para participar no processo de pacificação. Acha que estes elementos poderão ser incluídos nas negociações?

EV: Eu faço parte do painel da sociedade civil para a monitorização do diálogo político. E posso dizer, com toda a certeza, que quem está a dificultar isso é a RENAMO. Esta guerra não é em benefício do povo. É uma guerra que resulta apenas dos desequilíbrios na partilha da gestão do poder e dos recursos. Estando isto em causa, a RENAMO não quer mais ninguém à mesa das negociações. Nem o MDM nem os partidos políticos extra-parlamentares são bem-vindos, pelo menos, por parte da RENAMO.

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