Ucrânia lamenta corte de relações diplomáticas com o Mali
6 de agosto de 2024O governo militar de transição do Mali anunciou este domingo (04.08) o corte de relações diplomáticas com a Ucrânia. O anúncio foi feito pelo porta-voz do Governo, o coronel Abdoulaye Maiga, que acusou um alto funcionário ucraniano de ter admitido o apoio de Kiev aos separatistas tuaregues em combates em julho, nos quais as tropas malianas, apoiadas pelos mercenários do grupo russo Wagner, sofreram uma derrota pesada.
"Tomámos conhecimento das declarações subversivas de Andriy Yusov, dos serviços secretos militares ucranianos, que admitiu o envolvimento da Ucrânia neste ataque. Estas declarações extremamente graves, que não foram negadas nem condenadas pelas autoridades ucranianas, revelam um apoio oficial claro do governo ucraniano ao terrorismo em África, no Sahel e, mais especificamente, no Mali", declarou Maiga.
A Ucrânia classificou a decisão do Mali de precipitada e "lamentável". Numa declaração publicada na sua página da internet, o Ministério dos Negócios Estrangeiros afirma que não foram apresentadas provas que demonstrem que Kiev desempenhou qualquer papel nos combates.
Ataques suscitam preocupações
Os combates em questão, ocorridos no final de julho na região de Kidal, no norte do país, suscitaram preocupações quanto ao potencial alastramento do conflito Rússia-Ucrânia para África.
De acordo com os separatistas tuaregues, vários dias de combates perto da aldeia de Tinzaouatene, na fronteira com a Argélia, resultaram em pesadas perdas: 47 soldados malianos e 84 mercenários russos, bem como mais 80 ligados a canais afiliados do grupo Wagner da Rússia - uma das maiores perdas da Rússia até à data na África Ocidental.
Foram necessárias quase duas semanas para que as autoridades do Mali acusassem a Ucrânia dos ataques, depois de Yusov, da agência de informação militar ucraniana GUR, ter reconhecido o seu envolvimento na televisão ucraniana na semana passada.
"Os atacantes receberam as informações necessárias para poderem levar a cabo uma operação militar bem sucedida contra os criminosos de guerra russos", afirmou.
Implicações geopolíticas
O anúncio do Mali tem implicações geopolíticas mais vastas, sobretudo à luz de uma publicação no Facebook, agora apagada, da embaixada ucraniana em Dakar, no Senegal, que manifestava apoio aos ataques no norte do Mali. Este facto levou o Senegal a convocar o embaixador ucraniano para uma explicação.
Uma fotografia não confirmada que mostra combatentes tuaregues segurando uma bandeira ucraniana também surgiu na Internet.
À DW, Younouss Soumare, membro do Coletivo de Defesa dos Militares do Mali, associa as alegadas ações da Ucrânia à França, acusando a antiga potência colonial de utilizar as suas alianças para desestabilizar ainda mais o Mali.
"A França enviou mercenários para a Ucrânia para combater os russos. É a mesma França que se apoia nos seus vizinhos para continuar a desestabilizar-nos. Confiamos nas nossas autoridades. Se a Ucrânia desempenhou efetivamente este papel, as nossas autoridades não faltarão ao seu dever", afirmou.
Lamine Diallo, responsável pela comunicação do Convergência para o Desenvolvimento do Mali (CODEM), disse à DW que a internacionalização dos conflitos não é surpresa: "Desde a chegada de instrutores russos e a deterioração das relações entre este país e a Ucrânia, que já estávamos à espera de confrontos geopolíticos deste género."
Demasiado cedo para conclusões
No entanto, observadores ouvidos pela DW dizem que "ainda é cedo para falar de forças ucranianas no Mali ". A analista política Nina Wilen diz que só o tempo dirá até que ponto a Ucrânia está envolvida no terreno. Ainda assim, acrescenta, se se vier a confirmar este envolvimento, "podemos dizer que o conflito russo-ucraniano não se limita ao território ucraniano e está a deslocar-se para África".
"No que diz respeito ao envolvimento da Ucrânia, precisamos de ter o tempo necessário para podermos analisar e autenticar verdadeiramente quem está por detrás dos ataques contra o exército do Mali e os grupos russos que (têm dito) que estão lá para ajudar o Mali a lidar com esta insegurança crescente durante anos", disse à DW Jean Francois Marie Camara, da Universidade de Ciências Jurídicas de Bamako.
As implicações para o país e para a região podem ser imensas. A presença do grupo Wagner, juntamente com o alegado envolvimento dos serviços secretos ucranianos, pode aumentar a influência de atores estrangeiros nos conflitos internos do Mali.
"A internacionalização de um conflito também permite que outros atores entrem e o transformem num campo de experimentação ou de confronto entre as potências ocidentais", lembra ainda Lamine Diallo.