Ucrânia: Para quando a paz?
23 de fevereiro de 2023O balanço de um ano de guerra de agressão da Rússia contra é trágico: dezenas de milhares de soldados mortos ou feridos, milhares de civis ucranianos mortos, incontáveis cidades destruídas. Em todo o mundo escasseia a energia, sobe a inflação e em muitos países em desenvolvimento cresce a fome.
O Presidente russo, Vladimir Putin, não conseguiu ocupar toda a Ucrânia, como pretendia, mas controla cerca de um quinto do país. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, insiste que todo o território ocupado pela Rússia, incluindo a Crimeia, será reconquistado.
No seu mais recente discurso sobre o estado da nação, Putin não deu qualquer indicação de que está pronto a ceder. Pelo contrário: "É impossível derrotar o nosso país no campo de batalha", afirmou. E agravou a tensão ao anunciar que Moscovo vai suspender a sua participação no tratado de armas nucleares New START, o último que mantinha com os EUA.
O anúncio é considerado uma reação à visita surpresa do Presidente dos EUA Joseph Biden a Kiev no dia anterior, durante a qual prometeu a Zelensky o apoio contínuo de Washington. "Não se trata apenas da liberdade da Ucrânia, trata-se da liberdade da própria democracia", disse Biden. Mais tarde em Varsóvia, Biden reiterou: "A Ucrânia nunca será uma vitória para a Rússia, nunca!". Mas a vontade dos Republicanos no Congresso em Washington e da população americana de apoiar a Ucrânia tende a diminuir.
Medo de uma guerra mundial
Também na Alemanha cresce a pressão para negociações de paz. Num inquérito recente 58% dos inquiridos defenderam que não estão a ser envidados esforços suficientes para pôr cobro à guerra, o número mais elevado desde o início das hostilidades em 24 de fevereiro de 2022. Há quem pense, na Alemanha, que o Ocidente deve retirar-se da guerra. E muitos temem uma terceira guerra mundial.
O embaixador ucraniano em Berlim, Oleksij Makejew, disse a meios de comunicação alemães não compreender o medo do Ocidente de uma terceira guerra mundial. "A Ucrânia já se encontra numa terceira guerra mundial. A Rússia está a travar uma guerra de extermínio contra nós", disse.
O secretário-geral da aliança militar ocidental NATO, Jens Stoltenberg, rejeita categoricamente a noção de uma paz unilateral. "Se a Ucrânia deixar de lutar, deixará de existir como Estado independente", disse Stoltenberg à DW em outubro. Por isso, concluiu, Kiev tem de "ganhar a guerra".
Ucrânia quer reconquistar todos os territórios ocupados
Os países ocidentais continuam a fornecer armamento à Ucrânia para a ajudar a defender-se. No início do ano, após longa hesitação, o chanceler alemão Olaf Scholz concordou em fornecer tanques de batalha alemães, depois de decisões nesse sentido dos EUA e outros países da NATO.
O tanque alemão do tipo Leopard 2 pode ajudar a "compensar a flagrante desvantagem dos ucranianos no campo de batalha", escreveu o político do partido conservador CDU e coronel na reforma, Roderich Kiesewetter, à DW. Mas a eficácia do fornecimento dos tanques dependerá "do número e do tempo de entrega", alertou.
A Ucrânia aposta nos tanques para mais do que a defesa de ataques russos. O perito em segurança Nico Lange considera que "as hipóteses militares da Ucrânia de retomar completamente o território e restaurar a paz desta forma são realistas". Lange acredita "que Putin só estará disposto a negociar quando a situação militar favorecer de tal forma a Ucrânia, que ele não possa tirar qualquer proveito desta guerra de agressão".
Dois cenários militares
O general alemão na reforma Helmut Ganser não partilha a convicção. Num artigo no "Journal for International Politics and Society" no início de fevereiro, Ganser esboça dois cenários possíveis para uma ofensiva ucraniana em direção ao Mar de Azov com a ajuda de tanques ocidentais. Na versão mais pessimista, não conseguirá superar a defesa russa, fornecendo à Rússia mais material de propaganda.
O cenário mais otimista, diz Ganser, é ainda mais perigoso. Supondo que as unidades de tanques avancem até ao Mar de Azov para chegar à Crimeia, Putin poderia expandir "a zona de guerra global para o território dos Estados ocidentais que fornecem apoio". O ex-general adverte: "Cresce o perigo de um deslize lento e não intencional para a maior de todas as catástrofes na Europa".
Para o analista Lange, a ameaça nuclear da Rússia é "um instrumento de guerra psicológica". Uma reconquista da Crimeia não é só "militarmente concebível", diz, mas mesmo necessária por motivos de política de paz. "Precisamente porque a Crimeia seria a maior perda de face possível para Vladimir Putin, a pressão militar sobre a Crimeia é uma forma de conseguir que a Rússia se disponha a negociar", explica.
Qual é o limite?
As opiniões divergem sobre se a pressão militar aumenta a disponibilidade da Rússia para negociar ou agrava o perigo de uma guerra mundial nuclear. O chanceler Scholz insiste que a Alemanha não deve, em circunstância alguma, envolver-se na guerra. O que explica a longa hesitação em relação ao fornecimento de tanques de combate. Atualmente, Scholz rejeita liminarmente a entrega de aviões de combate à Ucrânia. Também o Presidente Biden não prometeu aviões de combate a Zelensky.
O político Roderich Kiesewetter diz que, em princípio, não colocaria limitações ao tipo de armas a fornecer. Na ótica do direito internacional, "só se torna uma parte de uma guerra quem para lá envia os seus próprios soldados", uma possibilidade que exclui.
Objetivos de paz incompatíveis
Mas mesmo nos países que apoiam a Ucrânia há a perceção de que, no final, a Ucrânia terá que aceitar compromissos para pôr cobro à guerra. O jornalista Roman Goncharenko da redação ucraniana da DW diz que não se vislumbra qualquer sinal desta noção na Ucrânia. "Nas primeiras semanas após a invasão, Kiev estava pronto a fazer concessões, como garantir a neutralidade em vez de aderir à NATO. Mas a brutalidade do exército russo e a anexação de outros territórios tornaram a busca de um compromisso quase impossível", explica.
Uma sondagem encomendada pela Conferência de Segurança de Munique concluiu que 93% dos ucranianos veem a retirada total da Rússia, incluindo da Crimeia, "como a condição prévia para um cessar-fogo", acrescenta Goncharenko.
O cientista político Johannes Varwick, da Universidade de Hallex, diz que é uma condição irrealista. "Muito provavelmente, acabará por haver uma Ucrânia neutra que não se enquadrará claramente na esfera de influência ocidental ou russa", disse Varwick à DW. O pesquisador insta o ocidente a tomar a iniciativa na negociação da paz. "Se, no final de uma guerra longa guerra, tivermos o mesmo resultado que hoje seria possível, então não faz sentido continuar a combater e matar e traumatizar dezenas de milhares de pessoas", defende.
Sinais de paz genuínos?
A embaixada russa em Berlim escreveu num post nas redes sociais de 14 de fevereiro: "Qualquer batalha termina em negociações, estamos prontos para negociar. Mas apenas sem condições prévias, com base na realidade prevalecente e em relação aos objetivos que foram anunciados publicamente por nós".
A afirmação não denota vontade de compromisso. A "realidade prevalecente" inclui a ocupação russa de cerca de um quinto do país, enquanto um dos "objetivos" é a erradicação completa do Estado ucraniano.
Na Conferência de Segurança de Munique, a China anunciou um plano de paz, do qual se desconhecem ainda pormenores. Os governos ocidentais reagiram com ceticismo, tendo em conta que a China nunca condenou a invasão russa da Ucrânia. O responsável dos Negócios Estrangeiros norte-americano, Antony Blinken, receia mesmo que a China possa estar a planear fornecer armas à Rússia, o que Pequim nega.
Vitória militar ou compromisso pela paz
O publicista americano Jeffrey Sachs escreveu no semanário britânico "Economist" ser crucial para uma paz duradoira que os sejam preservados "os interesses de segurança mais importantes dos dois lados". A soberania e a segurança da Ucrânia devem ser garantidas, mas a NATO deve comprometer-se "a não se expandir para leste". Sachs espera impulsos de paz vindos sobretudo dos estados que se recusaram a condenar a Rússia no Conselho de Segurança da ONU, nomeadamente a China, Índia, Brasil e África do Sul. "Estes estados não são contra os russos, ou contra os ucranianos", diz Sachs. "Eles não querem que a Rússia conquiste a Ucrânia, nem que a NATO se expanda para Leste".
Já o político Kiesewetter adverte contra concessões a Moscovo: "É um conceito errado que tudo o que se tem de fazer é dar à Rússia algum território para saciar a fome de destruição de Moscovo. Pelo contrário, seria apenas um convite para outros regimes autocráticos redesenharem fronteiras recorrendo à ameaça nuclear ". A China já hoje considera a Europa um "campo de ensaio" no que diz respeito à soberania de Taiwan, acredita Kiesewetter.
Um ano após o início de guerra duas escolas de pensamento continuam a colidir: a solução passa exclusivamente por uma vitória militar contra os agressores russos? Ou a Ucrânia e os seus apoiantes devem aceitar compromissos? Tal como a própria guerra, o desfecho do debate está em aberto.