União Europeia - Angola: 30 anos de cooperação
17 de janeiro de 2017O ministro angolano do Planeamento e Desenvolvimento Territorial reiterou recentemente o desejo do seu país continuar a ter a União Europeia como um parceiro estratégico no seu processo de crescimento inclusivo e desenvolvimento sustentável.
Job Graça sublinhava que, nos 30 anos de cooperação entre o Governo angolano e a União Europeia (UE), Angola beneficiou de uma doação de 1.050 milhões de euros.
Segundo o governante angolano, as perspetivas na cooperação com a União Europeia no médio prazo constam do quadro atual de cooperação, os Programas Indicativos Nacionais (PIN) 2014-2020, que contém projetos nos domínios focais da agricultura sustentável, água e saneamento básico, e do ensino superior e formação profissional.
"Caminho Conjunto"
O ministro angolano salientou que está em negociação uma possível execução faseada de um Plano de Ação, no âmbito do acordo "Caminho Conjunto", assinado em 2012, para o reforço da cooperação e a sua extensão a outras áreas. Acrescentou que o Governo angolano espera que a revisão de meio percurso do PIN 2014-2020, a que a União Europeia se propõe a fazer, seja realizado conjuntamente "com o propósito do uso mais eficiente e pleno dos recursos comprometidos, tendo em conta o seu forte alinhamento com o Programa Nacional de Desenvolvimento 2013-2017 e a Estratégia Angola 2025".
"Para longo prazo, acreditamos que, do diálogo em curso, entre o grupo de países ACP (África, Caraíbas e Pacífico) e a União Europeia resultará um quadro de cooperação adequado, por um lado, ao combate aos males globais do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, do tráfico de drogas e de seres humanos e da imigração ilegal e, por outro lado, à realização dos objetivos de desenvolvimento sustentável, até 2030", referiu.
Constrangimentos a serem melhorados
O titular da pasta do Planeamento não deixou de frisar os constrangimentos registados nos 30 anos de relação entre Angola e a União Europeia, com os quais podem ser melhoradas as futuras ações de cooperação.
Entre os constrangimentos, apontou a ainda limitada capacidade institucional dos parceiros nacionais - "nem sempre, de modo satisfatório, compensada pela assistência técnica - e o longo processo de aprovação de projetos e sua entrada em execução". Por ocasião dos 30 anos dessa cooperação, a DW África entrevistou Eugénio da Costa Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa.
DW África: Que balanço faz dos 30 anos de cooperação UE-Angola?
Eugénio da Costa Almeida (ECA): Nem positivo nem negativo. Uma vontade de cooperar entre as partes, em que nem sempre foram muito cordatas, e outras em que a ligação foi bastante produtiva.
DW África: Quais foram os principais benefícios para a população angolana nestes 30 anos de cooperação?
ECA: Mais apoio agrícola através de estudos e de cooperação de novas formas de agricultura. No setor da saúde, indiscutivelmente sabemos que durante algum tempo a União Europeia foi importante, juntamente com os médicos cubanos, para a melhoria de um setor que estava carente face à guerra. O apoio à educação, indiscutivelmente, a abertura de novas universidades, nomeadamente privadas, e a divisão da antiga universidade única Agostinho Neto, em várias universidades, teve o apoio da UE. No apoio também à construção e ao desenvolvimento de barragens, nos recursos hídricos. Na questão da desminagem, o apoio da UE foi importantíssimo. Espero que esse apoio continue a ser importante, principalmente face às atuais situações, que esse apoio se torne ainda mais evidente. Um fator que para mim continua a ser preocupante, mas não só em Angola mas em quase toda África, é a questão das pescas. Penso que a cooperação entre Angola e a União Europeia não trouxe nada de especial para Angola a não ser a perda de algum pescado. O enfoque dos direitos humanos não foi tão evidente como seria expectável por parte de uma organização supranacional, em que um dos seus pilares é precisamente os direitos humanos. [A UE] não soube, não quis ou não teve capacidade para ajudar Angola a cumprir melhor os direitos humanos.
DW África: Na sua opinião, Angola não fez o trabalho de casa em termos de direitos humanos, mas também a União Europeia não pediu contas...
ECA: Nesse aspeto a UE, no seu todo, pôs, como sempre fez, os interesses económicos acima dos interesses sociais, não todos, refiro-me, por exemplo, à questão dos direitos humanos. Se formos ao particular houve movimentos a nível do Parlamento Europeu (PE) em que esse pedido de contas foi evidenciado e que muitas vezes foi tratado até com ativistas angolanos que foram convidados a falarem no próprio PE sobre a não implementação total dos direitos humanos. Nós sabemos que em Angola há situações críticas, em que o direito à manifestação - consagrado na Constituição - poucas vezes é saciado.
DW África: Considera que as relações entre Angola e a UE esfriaram recentemente tendo em conta, por exemplo, o caso dos 17 ativistas angolanos que foram condenados por atos preparatórios de rebelião?
ECA: Em muitos casos a UE adotou muito a política chinesa face a Angola. A China diz 'não se pergunta pelos direitos humanos e nós também não perguntamos a vocês' e a UE fez mais ou menos isso: 'não perguntem a Angola por direitos humanos e nós também não vos pressionamos'. Mas em casos particulares, o PE apresentou-se como o verdadeiro paladino dos direitos humanos dentro da União Europeia. E dentro do PE, [destaca-se] casos pontuais de alguns europarlamentares.
DW África: Acredita que a União Europeia continua a ser um parceiro importante para Angola, sobretudo tendo em consideração a relevância da China?
ECA: Pelo que se sabe a China comprou menos produtos petrolíferos a Angola. E fala-se, inclusivamente, que Angola terá pedido um financiamento para a reestruturação e que a República Popular da China, apesar de não dizer não, também não disse sim. E tem estado a protelar essa decisão. Se a cooperação com a China diminuir, é importante que Angola se vire para outros sectores de cooperação, Índia ou União Europeia. Mas, para isso, tem de prevalecer o pragmatismo.
DW África: Considera que as eleições de 2017 serão um marco importante para o futuro das relações bilaterias?
ECA: As eleições vão ser muito importantes para essa questão da ligação entre Angola e a União Europeia. Tudo vai depender de quem efetivamente ganhar, de quem estiver à frente do poder em Angola. A perspectiva é que vai haver uma alteração de poder, dado que o Presidente José Eduardo dos Santos já disse que não fazia intenções de se recandidatar. [Depende] do candidato que for [eleito], se terá ou não uma maior proximidade com a UE. E aí, cabe à União captar a simpatia dos próximos candidatos, no sentido de haver uma maior aproximação.
Desde que o pragmatismo entre as duas partes prevaleça e desde que ambos respeitem os parâmetros definidos, sem deixar de fazer as críticas diretas e incisivas quando forem úteis e necessárias, penso que a cooperação pode ser cimentada.