Manuel Vicente formalmente acusado de corrupção ativa
16 de fevereiro de 2017O Ministério Público (MP) português acusou esta quinta-feira (16.02) o vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol, Manuel Vicente, o procurador Orlando Figueira, o advogado Paulo Blanco e o arguido Armindo Pires no âmbito da "Operação Fizz", relacionada com corrupção e branqueamento de capitais.
Uma nota da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Portugal adianta que Orlando Figueira, que exerceu funções como magistrado do Ministério Público entre setembro de 1990 e setembro de 2012, foi acusado de corrupção passiva, branqueamento (em coautoria com os outros três arguidos), violação de segredo de justiça e falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos).
Manuel Vicente, à data dos factos presidente da Sonangol e atualmente vice-presidente de Angola, é acusado de corrupção ativa (em coautoria com os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires), de branqueamento de capitais (em coautoria com os restantes arguidos) e falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos).
Entre os acusados estão ainda o advogado Paulo Blanco, que vai responder por corrupção ativa (em coautoria com os arguidos Manuel Vicente e Armindo Perpétuo Pires), branqueamento de capitais (em coautoria com os restantes arguidos), violação de segredo de justiça e falsificação de documento (também em coautoria com os restantes arguidos).O arguido Armindo Pires, representante em Portugal de Manuel Vicente, foi acusado de corrupção ativa (em coautoria com os arguidos Paulo Blanco e Manuel Vicente), branqueamento de capitais (em coautoria com os restantes arguidos) e falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos).
O MP decidiu arquivar os factos suscetíveis de configurar crime de branqueamento por parte do Banco Privado Atlântico Europa "por não terem sido recolhidos indícios suficientes para fundamentar a dedução de despacho de acusação".
"Operação Fizz"
A 'Operação Fizz' investigou o recebimento de contrapartidas por parte do magistrado do Ministério Público Orlando Figueira suspeito de favorecer interesses de terceiros, em dois processos.
À data dos factos, Orlando Figueira, que exerceu funções no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) encontrava-se em licença sem vencimento de longa duração desde setembro de 2012.
Segundo a PGR, três arguidos estão acusados de, em conjugação de esforços, terem pago a Orlando Figueira, que, na altura, trabalhava no DCIAP, cerca de 760 mil euros e de lhe terem dado outras vantagens, designadamente, a colocação profissional numa instituição bancária. Em troca, o magistrado arquivou dois processos, favorecendo o presidente da empresa angolana, Manuel Vicente.Na investigação foram arrestados e apreendidos ao ex-procurador do MP cerca de 512 mil euros, que se encontravam em contas bancárias portuguesas, em cofres e em contas bancárias sedeadas no Principado de Andorra.
No âmbito deste processo, Orlando Figueira fica sujeito à obrigação de permanência na habitação e com proibição de contactos, Paulo Blanco fica proibido de contactar os outros arguidos e Armindo Pires com termo de identidade e residência.
Manuel Vicente será notificado do despacho de acusação através de carta rogatória dirigida às autoridades angolanas para depois o Ministério Público se pronunciar sobre medidas de coação a aplicar.
Vice-presidente de Angola desconhece acusação
O advogado do vice-presidente de Angola e ex-responsável pela Sonangol afirmou que o seu cliente não foi notificado, nem informado, de qualquer acusação, no âmbito da "Operação Fizz", relacionada com corrupção e branqueamento de capitais.
Contactado pelos jornalistas, o advogado, Rui Patrício, informou por escrito não ter recebido qualquer notificação ou informação, o mesmo se passando com o seu cliente.
"Muito me espanta que o meu constituinte possa ter sido acusado, não só porque nada tem a ver com os factos do processo, mas também porque nunca foi sequer ouvido", escreveu o advogado. Para o representante do responsável angolano, trata-se de uma obrigação processual fundamental, cuja violação, tal como de outras regras aplicáveis ao caso, é grave e séria e "invalida o processo".
TIAC considera acusação de “histórica”
João Paula Batalha, diretor executivo da organização não-governamental Transparência e Integridade - Ação Cívica (TIAC), qualifica a acusação de “histórica”, por vários motivos, mas sobretudo porque revela os meandros de negócios ocultos entre um procurador do Ministério Público português e uma alta figura do Estado angolano, envolvidos no arquivamento de suspeitas de corrupção. Para João Paulo Batalha, o despacho do Ministério Público indicia algo mais concreto.
“Daquilo que é conhecido indicia haver uma rede de corrupção de Angola com Portugal que se manifesta não só neste suborno pago alegadamente a este procurador, mas também nas próprias suspeitas que foram arquivadas de outros processos que estavam em curso, e mostra uma rede que tem não só proveniência de altos funcionários angolanos, no caso de Manuel Vicente, mas tem uma equipa, digamos assim, de facilitadores com advogados, com responsáveis de negócios aqui em Portugal. Portanto, mostra que, para além deste caso específico, há uma rede de outras suspeitas que, no caso não foram bem investigadas, mas que estão montadas como umas teias de cumplicidades que essas sim são preocupantes e são alarmantes e precisam de continuar a ser investigadas”.Segundo Paulo Batalha, a acusação do Ministério Público português clarifica a existência de prática de crimes de corrupção, branqueamento de capitais, de violação de segredo de justiça e falsificação de documentos, envolvendo Manuel Vicente e o procurador Orlando Figueira.
“Estamos a falar de um crime de corrupção que alegadamente terá como base um subordo a um procurador para que sejam arquivadas outras investigações que estavam em curso. E havendo essa acusação é obrigação do próprio Estado angolano dar todo o apoio necessário às investigações e também o próprio Estado angolano de verificar em Angola em que outros negócios está envolvido, ou esteve envolvido, Manuel Vicente, que sejam potencialmente negócios criminosos, nomeadamente relacionados com o desvio de fundos ou desvio de verbas, não só da Sonangol, mas do Estado angolano e do povo angolano em particular”.
Impacto nas relações entre os dois países
Esta acusação, na opinião do diretor executivo da TIAC, tem impacto inevitável não só nas relações entre Portugal e Angola, mas também na própria estrutura do Estado angolano.
“É uma oportunidade para o Estado angolano definir se está do lado da corrupção ou das suspeitas de corrupção ou se estará do lado da justiça, não só colaborando com as investigações que ainda tenham de ser feitas e com os procedimentos judiciais que vão ter que se seguir aqui em Portugal, mas também dando um sinal político de vontade de converter a corrupção, impedir o abuso e aí tirando logo uma ilação que tem que ser feita a nível político sobre a permanência de Manuel Vicente nas funções que está a desempenhar”, sublinha Batalha. Depois, acrescenta, que é preciso ver como é que as autoridades angolanas, e Manuel Vicente em particular, vão responder à notificação, por carta rogatória, do Ministério Público português, antes deste se pronunciar sobre as medidas de coação a aplicar ao ex-presidente da Sonangol.
Na perspetiva do diretor executivo da TIAC, se a posição do Estado angolano for de «defesa corporativa, de agitação de velhos traumas ou de fantasmas coloniais do passado para entravar o esclarecimento da verdade, então esta será mais uma oportunidade perdida num ano em que se preparam eleições para mudanças em Angola.
João Paulo Batalha considera que, quer da parte da justiça portuguesa quer da parte da justiça e do Estado angolano, devem dar prosseguimento às investigações para desmantelar tais teias de influência e ligações muito suspeitas.