Vistos gold fomentaram a corrupção em Portugal?
2 de março de 2023O Governo português quer pôr fim aos vistos gold para acabar também com a especulação imobiliária.
Embora não haja números oficiais, este mecanismo beneficiou cidadãos da elite angolana que, por essa via, teriam comprado imóveis, sobretudo em Lisboa, possivelmente com dinheiro desviado de Angola.
A ONG saúda a decisão de acabar com este mecanismo de autorização de residência que favorecia estrangeiros interessados em investir em Portugal no setor imobiliário. Karina Carvalho, diretora executiva da Transparência Internacional, diz que foi uma "boa notícia".
"Ao longo dos anos, temos dito que os responsáveis políticos sempre fizeram tábua rasa das nossas preocupações", disse a ativista em entrevista à DW África. "Também nunca tiveram em conta as recomendações da União Europeia nesta matéria e mantiveram o programa ativo sabendo que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) nunca se preocupou em escrutinar o histórico dos requerentes e a proveniência do dinheiro usado para comprar o acesso a Portugal, que é também o acesso à Europa."
Karina Carvalho insiste que "podem ter sido atribuídos vistos gold a pessoas que enriqueceram ilicitamente através da prática de atividades criminosas".
Os vistos gold fomentaram a corrupção?
As estatísticas oficiais não revelam o número exato de angolanos que recorreram aos vistos gold.
Segundo o jornalista angolano, Carlos Gonçalves, "o que consta é que isso, ocorrendo, terá sido num escalão mais intermédio entre o novo riquismo angolano, cuja maior parte acedeu à nacionalidade com grande facilidade por força de ligações familiares ou por terem nascido ainda sob a bandeira portuguesa".
O analista cita a título de exemplo o caso do ex-governante angolano, Manuel Vicente, que foi vice-Presidente de Angola e terá "passaporte português, o que diz muito sobre a facilidade com que se acedeu aos documentos em Portugal".
Vicente foi alvo de uma investigação em Portugal por supostos pagamentos ao magistrado do Ministério Público Orlando Figueira, que foi julgado e condenado à prisão por corrupção. O caso foi espoletado depois da compra e venda de um apartamento no "Estoril Sol Residence", nos arredores de Lisboa, em 2012. Vicente negou sempre má conduta.
De acordo com a informação oficial, a esmagadora quantidade de vistos gold atribuídos desde 2012 foi através da aquisição de imóveis. Os investidores são na sua maioria chineses, brasileiros, turcos e sul-africanos, mas também estão incluídos norte-americanos, angolanos e russos.
Vistos gold vão mesmo acabar?
João Paula Batalha, vice-presidente da Frente Cívica anticorrupção, não acredita no fim deste programa.
"Nada indica que vão acabar, embora seja preciso esperar para ver o que o Governo vai fazer depois de terminar o período de consulta pública", afirma.
Batalha diz que Portugal seguiu uma política de atração de capital estrangeiro sem questionar a origem do dinheiro.
"Essa cumplicidade, essa promiscuidade entre a política portuguesa e alguns altos responsáveis angolanos e o dinheiro sujo de muitas dessas origens, é uma política que continua ativa. E, portanto, mesmo que o Governo português venha, de facto, a extinguir os vistos gold, no âmbito das políticas de habitação, tudo indica que vamos continuar a ter vistos gold de outra natureza para outro tipo de investimentos", conclui o vice-presidente da Frente Cívica.