A crescente cena literária internacional em Berlim
23 de janeiro de 2014Não é incomum encontrar turistas no metrô de Berlim com livros como Adeus a Berlim (1939), de Christopher Isherwood, em vez de guias turísticos. O autor do mais famoso livro sobre a capital alemã escrito por um estrangeiro viveu na cidade nos anos 20 e 30 do século passado, em busca de uma vida sexual mais livre do que a Inglaterra de então oferecia.
Foi logo seguido por seu colaborador e namorado ocasional, o poeta W.H. Auden, que também deixou poemas e um diário sobre suas aventuras na cidade. Isherwood publicaria ainda vários contos no volume The Berlin Stories. A Berlim da República de Weimar atraía escritores e artistas, alguns fugindo de guerras em seus países. É o caso da grande comunidade de autores russos que viviam na cidade na mesma época – como a poeta Marina Tsvetáieva ou o prosador Victor Chklósvki, que escreveu em Berlim seu “Zoo, ou cartas não sobre o amor” (1922).
O incentivo ao intercâmbio
Após o período de fechamento de Berlim ao intercâmbio internacional por causa do Muro, nas duas últimas décadas escritores voltaram a buscar na cidade a tranquilidade para trabalhar em seus longos projetos de romances e poemas.
Um grande incentivo é o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), que leva a Berlim escritores, ensaístas e diretores de cinema para produzirem um trabalho na cidade. O programa já contou com a participação de nomes importantes, como a canadense Margaret Atwood, os americanos Susan Sontag e Jeffrey Eugenides, e o bielorrusso Ryszard Kapuściński.
A cidade continua atraindo imigrantes, alguns também em busca de uma vida mais livre, outros em fuga de turbulências políticas em seus países de origem, como no século passado. Muitos chegam ainda crianças, adotam a língua alemã e são escritores hoje conhecidos como alemães, como é o caso do russo Wladimir Kaminer e a azerbaijana Olga Grjasnowa. Festivais como o Literaturfestival e o Poesiefestival, e instituições como o Literarische Colloquium garantem ainda um influxo temporário de autores estrangeiros em Berlim.
Berlinenses estrangeiros
Há uma forte presença de autores de língua inglesa em Berlim. O irlandês John Holten chegou à cidade há seis anos. Seu romance The Readymades (2012) foi celebrado em revistas como Art in America como uma das grandes obras de arte a sair da capital alemã nas últimas décadas. Holten fundou a editora Broken Dimanche Press, que vem se dedicando a lançar em Berlim autores estrangeiros e artistas que trabalham com textos, como o francês Antoine Renard, a norueguesa Hanne Lippard e o americano Shane Anderson.
“Faz seis anos que cheguei e vejo as mudanças pela minha perspectiva de estrangeiro. Talvez haja mais americanos. Há pessoas que estão aqui há tempos, ficando mais velhas, e tentando criar raízes, então começam a surgir editoras e coletivas nas suas próprias línguas", conta. "Há uma sofisticação crescente entre os autores berlinenses de língua estrangeira. Talvez haja uma integração maior. As artes visuais já têm isso há muito tempo."
A presença de americanos é forte. Além de Shane Anderson, romancistas como Claire Messud e o poeta Christian Hawkey são autores bastante conhecidos nos EUA e produzem seus textos em Berlim. Hawkey, que é casado com a alemã Uljana Wolf, dedica-se ainda a traduzir autores alemães para o inglês. O casal divide seu tempo entre Berlim e Nova York.
“Há um certo zeitgeist, uma língua comum. Isso é importante porque pode gerar comunidade e também competição. No momento, tudo parece estar ficando mais profissional”, diz Shane Anderson sobre seu momento atual.
Já o britânico Johannes CS Frank, que dirige a editora que leva seu nome, começa a apostar em autores latino-americanos. Neste ano, deve ser lançado em Berlim o primeiro livro do mexicano Julian Hérbert em alemão. Enquanto a Língua Inglesa permite maior mobilidade para os anglófonos, a situação é diferente para latinos e outros.
Entre os escritores brasileiros mais conhecidos que passaram por Berlim, Bernardo Carvalho chegou à cidade com o programa da DAAD. Outros brasileiros vivendo na cidade incluem o poeta Rafael Mantovani e o ensaísta Pablo Gonçalo. O festival Latinale, dirigido por Rike Bolte e Timo Berger, mantém um fluxo de poetas da região todo ano na cidade.
O muro do idioma
Enquanto as artes visuais permitem uma maior movimentação por prescindirem da língua, escritores enfrentam problemas maiores de inserção. Autores de língua inglesa beneficiam-se e têm maior atenção, mas mesmo eles dependem da tradução.
O diálogo entre autores alemães e estrangeiros ocorre dentro de uma cena bastante menor que a musical ou das artes visuais. A norueguesa Hanne Lippard disse à DW que não sabe se esta separação tem apenas efeitos negativos.
“A língua é um divisor óbvio. Mas eu experimentei divisões piores quando vivia em Amsterdã. Eu acho que é pela cena em Berlim ser tão internacional, enquanto o resto da Alemanha permanece bastante alemã, então às vezes há duas grandes cenas opostas uma à outra. Ambas as cenas lucram com a presença da outra, então não vejo por que se ressentir com essas oposições”, afirmou.