A "grande dama" da arte multimídia
28 de junho de 2003Os que já completaram pelo menos três décadas de vida certamente ainda se lembram de que seu nome esteve associado à vanguarda, ao início da interseção entre a arte e o computador, a uma espécie de "segunda geração" do que se convencionou chamar "artista multimídia".
Afinal, quando Laurie Anderson chegou a Nova York, em 1966, haviam se passado apenas 15 anos desde a execução de 4‘33‘‘, de John Cage, por um David Tudor imóvel ao piano, observando o tempo passar. Anderson já encontrou o universo das "novas tecnologias" instalado no contexto da arte, mas conseguiu dar a elas um rosto até então inédito.
Para os espectadores que têm em mente essa trajetória da artista, a sensação na exposição em Düsseldorf pode ser a de um certo estranhamento. A loira "moderna", de cabelos espetados, terno de cetim branco - que provocava em Home of the Brave (1985) sons a partir das batidas em seu próprio corpo, acoplado de sensores - virou história. E está catalogada em museu.
Ícone dos anos 80 –
"É como se ela tivesse, em pessoa, inventado os anos 80", define o diário alemão Frankfurter Rundschau frente às gravações de suas performances de então. Afinal, a artista norte-americana, nascida em Chicago e nova-iorquina por opção, surgiu no cenário internacional num tempo em que ainda não se tropeçava a cada esquina no kitsch power point. Na época em que meros projetores de vídeo pesavam quilos e quilos, Anderson surgiu com sua ópera multimídia.Hoje, o que se percebe na mostra dos trabalhos da artista plástica e cantora pop é, acima de tudo, a atualidade dos trabalhos expostos. Curiosamente, Anderson volta- se agora contra a indigestão tecnológica em curso. Apenas a título de exemplo: as obras mais recentes da quase "vovó" da arte multimídia abdicam de qualquer recurso tecnológico, optando (como antes também) pelo corpo humano como instrumento central de seu trabalho. Prova de que, passadas algumas décadas, a artista continua nadando contra a corrente.
(Des) interação -
Como também é o caso de The Puppet Motel (1995), um CD-Rom que se rebela contra o princípio mor da interação rápida oferecida "de graça" ao espectador/usuário. Num labirinto de cenários que se intercalam, Laurie Anderson proporciona até mesmo a possibilidade de reescrever Crime e Castigo, de Dostoievski.No entanto, devido à complexidade proposital de não colocar tudo à mão de quem comanda o mouse, a instalação de Anderson, no caso da exposição de Düsseldorf, parece ter apenas em uma das vigilantes da sala do museu uma viciada. Para aqueles que não dispõem de tanto tempo frente à tela do computador, como o visitante esporádico de praxe, The Puppet Motel mantém-se como um categórico não à (inter)ação rápida.
Violinos -
"O trabalho exibido em The Record of the Time é em primeira linha o trabalho que fiz com som. Há vários fios condutores: o violino, a voz, palavras, espaços sonoros e alter egos", explica Anderson. Pela palavra estão suas colagens de jornais, seu livro folheado por um ventilador embutido (Windbook, 1974), seu meta-livro Handbook, de 1974.Ao visitante é oferecida uma quase viagem no tempo: logo na entrada, uma conversa telefônica com a voz deformada de William Burroughs, com quem a artista trabalhou intensamente nos anos 70. Em seguida, uma pausa para descanso no travesseiro falante (The Pillow, 1977). Permeando toda a mostra, o violino (The Self Player Violin, com caixa de som embutida, 1974; Neon Violin, 1983; o "clássico" Digital Violin, 1984, entre outros). Versões do trabalho com o instrumento que é, para a artista, o "som mais próximo à voz feminina".
Contadora de histórias -
Em uma sala especial, há ainda a possibilidade de resgatar os vídeos feitos por Anderson, entre eles até mesmo sua versão iconoclasta de uma Carmen suburbana, de Bizet, produzida em 1990 para a Expo de Sevilha.Em primeira pessoa, no catálogo da exposição, é a própria artista quem define: "Nos últimos trinta anos, meu trabalho tem sido basicamente música e performance, combinando uma série de formas de arte. Um trabalho tipicamente de grande porte inclui filme ou vídeo, animação, processos digitais, música, sons eletrônicos e histórias. No entanto, as histórias é que são constantes". Já a forma de contá-las remete ao cineasta Jean-Luc Godard, citado pela própria Laurie Anderson: "Toda história deveria ter começo, meio e fim, embora não necessariamente nessa ordem".
Com ou sem histórias, o mais admirável é perceber a consistência da obra da artista. Passados mais de 25 anos, adolescentes ou sexagenários continuam se sentando concentrados à sua Mesa de Fones de Mão (The Handphone Table, 1977), em que o som de cassetes instalados sob a mesa é comprimido e conduzido a botões de metal. Colocando-se os cotovelos sobre esses botões e as mãos nos ouvidos, pode-se ouvir as três canções compostas para a instalação. Tudo a partir de uma postura que, segundo a artista, se situa "em algum lugar entre a depressão e a meditação".