A história por trás de uma foto-símbolo da revolução
23 de maio de 2012Normalmente, Nevine Zaki leva 20 minutos de sua casa até a Praça Tahrir, no centro do Cairo. No dia 1° de fevereiro de 2011, era inviável fazer o percurso de carro. A revolução havia começado na cidade e as ruas estavam todas com o trânsito bloqueado. Zaki foi a pé, caminhando durante uma hora e meia com sua irmã e amigos. "Todo mundo que eu conhecia estava indo para lá naquele momento. A gente nem cogitava ficar em casa, pois ia se sentir inútil e isso era o pior que poderia acontecer", lembra Zaki hoje.
Com seu blackberry, ela fez uma centena de fotos na praça, principalmente dos dizeres estampados nos cartazes levados pelos manifestantes. Foi quando ela descobriu um grupo de homens reunidos para as orações do meio-dia, de joelhos. Ao redor deles, outro grupo de homens, formando um cerco de proteção aos que rezavam. Zaki disparou mais uma vez seu blackberry e registrou aquele momento.
Cristãos que protegem muçulmanos orando
"Eu mesma não vi, mas dizia-se que os que oravam tinham medo de que se jogasse gás lacrimogêneo durante a oração. Então alguns cristãos fizeram uma corrente humana em volta deles, para protegê-los", descreve Zaki a situação. Ela reconheceu que se tratava de cristãos, pois alguns tinham crucifixos tatuados no pulso, como é comum entre os coptas egípcios. "Por isso achei que a minha foto era terrível, pois não dava para ver nenhum crucifixo nela", conta a fotógrafa.
À noite, já de volta em casa, na frente do computador, ela deu uma olhada nas fotos, sem que a dos homens rezando lhe chamasse mais a atenção. Zaki relembra emocionada: "Aqueles dias foram muito difíceis, também no que diz respeito às relações interpessoais: todo mundo estava com raiva de todo mundo", descreve a editora. A revisora de 31 anos tinha uma conta no Twitter, assim como tantos muitos jovens egípcios. Tocada pelos acontecimentos do dia, ela acompanhava pela TV as discussões sobre a situação no país.
"O que se lia no Twitter à noite me deixou completamente irada", lembra Zaki, principalmente porque muita gente falava de conflito entre cristãos e muçulmanos. Foi neste momento que ela resolveu postar a foto feita anteriormente na Praça Tahrir. "Cristãos protegem muçulmanos durante oração", escreveu Zaki em inglês.
De 300 a 11 mil seguidores
A imagem foi decisiva. Um mês antes, no primeiro dia do ano de 2011, um atentado a uma igreja de cristãos coptas em Alexandria tinha deixado 23 mortos e quase 100 feridos. E a imprensa registrou o ocorrido como prova da tensão entre muçulmanos e cristãos no Egito. Um interpretação errônea, afirma Zaki: "A convivência entre muçulmanos e cristãos sempre funcionou muito bem no Egito", como é visível em sua foto, diz ela. "Por isso fiquei feliz desta foto ter se tornado tão conhecida. Ela lembra que somos egípcios e que essa coexistência pacífica é o que nos caracteriza", completa.
A ressonância da imagem no Twitter é algo com que Zaki não poderia nem ao menos ter sonhado. Imediatamente após postar a foto, ela começou a receber em seu celular incontáveis notificações de retweets e de novos seguidores. Na primeira noite, o número de seus seguidores se tornou 10 vezes maior, passando de 300 para 3 mil. Durante dois dias, Zaki deixou seu celular desligado, pois caso contrário ele teria tocado ininterruptamente.
Desde então, ela acompanha como a foto vem sendo postada toda vez que se fala de conflitos entre muçulmanos e cristãos. "Isso me deixa muito feliz, pois mostra como nós, os egípcios, somos. E ninguém pode mudar isso", diz Zaki, que a essas alturas já tem mais de 11 mil seguidores no Twitter.
Por acaso no lugar certo
Nevine Zaki fala inglês fluentemente, com um sotaque entre o norte-americano e o árabe, e sempre viveu no Cairo. Muçulmana, frequentou uma escola cristã francesa e estudou mais tarde na universidade americana. Em entrevista à DW, ela acentua diversas vezes como sua foto a deixou feliz.
Pouco depois da divulgação pelo Twitter, as grandes agências internacionais de notícias entraram em contato com ela e divulgaram mais ainda a imagem, que assim chegou à grande mídia. Hoje, não se sabe mais quantas vezes a foto já foi clicada na internet, mas provavelmente foram dezenas de milhões de vezes. Somente na busca pelo título da imagem no Google, chega-se a 15 mil registros.
"Sinto-me fantasticamente bem, mas ao mesmo tempo um pouco culpada", diz ela, em tom sincero: "O que fiz não foi nada comparado ao que outros fizeram. Até hoje tem gente protestando na Praça Tahrir", completa.
Zarki diz ainda que se sente um pouco desconfortável com o interesse por sua vida pessoal depois da publicação: "É engraçado: muita gente acha que sou uma ativista ou jornalista, mas não é verdade. Sou uma entre muitos. Estava por acaso no lugar certo e tinha um blackberry comigo", resume.
Autor: Janosch Delcker (sv)
Revisão: Augusto Valente