Literatura e Mídia
30 de março de 2007Durante a Feira de Livros de Leipzig, encerrada dia 25 de março, o Nobel da Literatura Günter Grass se referiu a uma "degeneração" da mídia na Alemanha, reagindo assim à forma como a opinião pública recebeu sua confissão tardia de ter participado quando jovem da Waffen-SS, tropa de elite nazista.
Com isso, o escritor adere – mesmo que tardiamente – a uma crítica à mídia que já tem tradição na Alemanha. O que singulariza o caso Grass, no entanto, é o fato de ele ter tido anteriormente grande influência sobre a opinião pública, desde a conquista do prêmio Nobel, em 1999, pronunciando-se – como autoridade consensual – sobre todos os tipos de questões políticas e sociais.
Mídia degenerada?
Mesmo tendo retirado posteriormente a palavra "degeneração", carregada pela conotação racial com que era empregada durante o nazismo, Grass constatou que "a diferença entre os órgãos de imprensa na Alemanha diminuiu nos últimos dez, quinze anos", insinuando que mal dá para perceber a distância entre os jornais considerados sérios e a imprensa marrom.
Embora isso não tenha ocorrido ao escritor antes, na época em que suas opiniões ainda eram veiculadas sem restrição, Grass toca – de fato – num ponto crítico da relação entre ambiente literário e grande imprensa nos últimos anos na Alemanha.
Fato é que os "escândalos literários" se proliferam nos meios de comunicação, enquanto a mídia passa a se sentir cada vez menos responsável em informar o público leitor sobre a produção literária do país. Talvez seja o caso de mencionar que o suplemento cultural de língua alemã com maior renome entre os intelectuais seja o do diário suíço Neue Zürcher Zeitung.
Literatura cabe no jornal?
Além de reclamar do nivelamento dos órgãos de imprensa, Grass constata com indignação a tendência de um jornal apenas reproduzir o que saiu no outro, sem ir às fontes. Ao se referir à recepção de sua autobiografia Beim Häuten der Zwiebel (Descascando a cebola) pela opinião pública, ele lamentou que "o que relatava era apenas o que se acreditava ter lido e o que se exagerava, a ponto de se fazer disso uma campanha".
O automatismo com que a mídia reproduz informações sem conferir a origem se agrava no caso da apreciação de literatura. Afinal, uma criação literária não é noticiável, embora a imprensa tenda a abordar jornalisticamente tudo aquilo que implique uma mensagem política de peso.
No caso de Grass, o que contou não foi – o que ele queria – a elaboração literária do passado em sua autobiografia, mas o espanto de uma figura pública que sempre se manifestou como "consciência da nação" ter ocultado durante tanto tempo informações sobre seu passado durante o nazismo.
Crítica à mídia em verso
A tendência de a mídia dar mais atenção às declarações públicas de escritores do que às suas obras foi o que facilitou a projeção de Grass como eminência pública. E também o que facilitou sua queda, pois o escândalo em torno de sua autobiografia não foi desencadeado por resenhas do livro, mas sim por uma longa entrevista do autor concedida à imprensa. Enquanto os literatos continuarem a usar deliberadamente os canais da mídia para divulgarem suas idéias, estarão correndo o risco de não serem lidos, pois suas declarações vão substituir a leitura de seus livros.
Com o volume de poesias Dummer August (dupla referência ao mês de agosto e um palhaço tradicional dos países germanófonos), Günter Grass diz ter elaborado literariamente suas experiências com a opinião pública no último ano. O livro é dedicado a Christa Wolf, em solidariedade a uma escritora "rebaixada, em 1990, em nome de toda a literatura da Alemanha Oriental e tratada como autora estatal". Mas será que a mídia vai ler com maior cuidado críticas recebidas em verso?