A prisão do executivo do Facebook e os dilemas da internet
3 de março de 2016A recente prisão do vice-presidente da divisão latino-americana do Facebook, Diego Dzodan, pela Justiça brasileira e o embate entre o FBI (a polícia federal americana) e a Apple expõem o crescente conflito entre empresas de tecnologia e autoridades – e os dilemas de equilibrar privacidade e segurança.
Em disputa está o acesso a dados de usuários que usam produtos dessas empresas. Em ambos os casos, as autoridades argumentam que as empresas têm que colaborar para a entrega de informações (mensagens e arquivos) para que elas sejam usadas em investigações criminais.
No caso americano, o FBI levou a Apple aos tribunais para ter acesso aos dados de um aparelho celular fabricado pela empresa que pertencia a um dos atiradores envolvidos no ataque de San Bernardino, na Califórnia, que resultou na morte de 14 pessoas em dezembro. A Apple resiste em cumprir uma liminar da Justiça Federal que determina a criação de um programa que permita burlar o sistema de criptografia do telefone do atirador.
O FBI diz que pretende usar a ferramenta somente uma vez. A empresa recorreu e afirma que o caso tem implicações que vão além dessa investigação criminal. O argumento é que o precedente pode impactar a privacidade de milhões de usuários de telefones da marca.
No Brasil, a queda de braço com as autoridades já teve outros episódios. Em dezembro, a Justiça já havia determinado que o aplicativo de mensagens Whatsapp fosse tirado do ar pelas operadoras locais. Era uma punição pelo não cumprimento de uma ordem que determinava a entrega de detalhes de mensagens enviadas por um membro de uma facção criminosa. O aplicativo ficou suspenso em todo o país por cerca de 12 horas.
Já a prisão de Dzodan ocorreu após uma juíza de Sergipe alegar que o Whatsapp, que pertence ao Facebook, não havia atendido ordens que determinavam a entrega de dados de usuários suspeitos de integrar uma quadrilha de traficantes de drogas. Nestes casos, a empresa alegou que não guarda arquivos das mensagens, que só ficam armazenadas nos telefones dos usuários.
Sigilo em risco
Para Adriano Mendes, advogado especializado em direito digital, o episódio envolvendo o Whatsapp é um exemplo de que as autoridades brasileiras não entendem como funcionam as empresas de tecnologia.
“Elas ficam pedindo dados que as empresas não possuem ou não são obrigadas a entregar. E ainda erram na forma como pedem. Neste caso, deveriam ter acessado canais diplomáticos para pedir os dados, já que a empresa e os servidores do aplicativo estão baseados fora do país”, afirma, citando o MLAT (Tratado de Assistência Jurídica Mútua, na sigla em inglês) existente entre o Brasil e os EUA para esse tipo de caso.
Ainda segundo o advogado, o caso exemplifica como as autoridades estão mal acostumadas a usar outras ferramentas de investigação. “As investigações no Brasil dependem demais de grampos telefônicos e interceptação. E essa responsabilidade é jogada para as empresas, que têm que fazer a coleta em vez de a polícia procurar outros métodos”, afirma.
De acordo com Carlos Affonso, diretor Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e professor de direito na Uerj, tanto o caso americano como o brasileiro são especialmente sensíveis porque as ordens judiciais arriscam ferir um dos principais elementos que fizeram o Whatsapp e os telefones da Apple serem um sucesso: o sigilo.
Com a justificativa de que estão querendo garantir a segurança das pessoas, as autoridades podem trazer ainda mais insegurança. “O FBI pode afirmar que só quer o telefone em um caso. Mas se essa ferramenta for copiada? O caso de espionagem da NSA já mostrou até onde isso pode ir. E esse tipo de ferramenta ainda pode ser usada tanto por governos inescrupulosos como por criminosos. A discussão não é sobre se o código vai funcionar, há um fator humano envolvido aí”, opina.
Ainda segundo Affonso, o cumprimento total desse tipo de ordem ainda obrigaria as empresas a refazerem parcialmente seus produtos. No caso do Whatsapp, a empresa teria que expandir servidores e armazenar milhões de dados extras para garantir o cumprimento dessas ordens.
Tecnologia como parte da identidade
No outro lado, polícias e promotores brasileiros afirmam que empresas como o Google e a Microsoft colaboram regularmente com as autoridades, enquanto o Facebook e o Whatsapp são mais arredios. No caso da prisão do executivo, as autoridades policiais afirmam que procuraram a empresa três vezes antes do pedido de prisão, e que em todas as ocasiões foi ignorada.
Segundo Frederico Meinberg Ceroy, promotor de Justiça e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Digital (IBDDIG), uma operação dependente de grampos telefônicos como a Lava Jato não teria condições de prosperar em alguns anos, em um momento em que o Whatsapp e seus arquivos de voz criptografados substituem cada vez mais as ligações telefônicas.
Para o professor Affonso, o caso brasileiro demonstra que as empresas de tecnologia – que muitas vezes não tem nenhuma base no Brasil – e as autoridades locais ainda estão tentando encontrar uma forma de convívio.
“É ainda um período de adequação, e até que as coisas sejam resolvidas esse tipo de choque vai ocorrer, como aconteceu em 2007 quando o Youtube foi retirado do ar. Hoje esse tipo de coisa não aconteceria graças ao Marco Civil da Internet. Nesse caso do Whatsapp, as autoridades deveriam ter acionado a empresa por via diplomática. É claro que esse é um processo demorado. Uma boa saída então seria melhorar os acordos de cooperação internacional e torná-los mais eficientes As leis de diferentes países precisam se comunicar. Não pode ocorrer uma balcanização da internet", afirma.
Por fim, Affonso afirma que casos como o da Apple e do Whatsapp demonstram como os smartphones estão se tornando parte da identidade das pessoas: “Não se trata apenas da quebra do sigilo de um simples dispositivo móvel usado para a comunicação. Pela natureza dos dados que eles conseguem armazenar, eles são hoje parte da identidade de uma pessoa.”