Em 2014, Mario Götze levou a Alemanha à conquista do seu quarto título de uma Copa do Mundo com um gol espetacular marcado com maestria e arte quando faltavam apenas sete minutos para o fim do confronto com a Argentina. Cercado por seus companheiros em êxtase, consumava-se o maior momento de glória para um jovem de 22 anos aparentemente atônito pelo próprio feito. Nem ele acreditava que seu gol acabaria levando a seleção alemã ao tetra, simbolizado pelas quatro estrelas estampadas na camisa da Nationalelf.
Depois da Copa, Götze voltou ao Bayern e tentou cair nas graças de Pep Guardiola. Em vão. Ele não cabia no sistema do técnico catalão. Com a chegada de Carlo Ancelotti em 2016 aconteceu a mesma coisa, com uma diferença: o treinador italiano sugeriu que ele voltasse ao seu clube de origem, o Borussia Dortmund. Mario seguiu o conselho e voltou ao clube aurinegro, quando o departamento médico descobriu que o jogador sofria de miopatia decorrente de um distúrbio no seu metabolismo.
Ficou em tratamento por mais de um ano, se recuperou e voltou ao time apenas em 2018. O técnico então era Lucien Favre e, a exemplo de Guardiola e Ancelotti, não achou um jeito de aproveitar o talentoso jogador nem como reserva eventual. Em 2020, seu contrato com o Dortmund expirou, não foi renovado e Götze acabou indo, a custo zero, para o PSV Eindhoven, onde sob o comando do técnico Roger Schmidt (atualmente no Benfica) ressurgiu para o futebol. Jogou nos Países Baixos por duas temporadas e com sucesso: foram ao todo 77 jogos oficiais, 18 gols e 18 assistências.
Suas boas atuações na Eredivisie chamaram a atenção de Oliver Glasner, técnico do Eintracht Frankfurt, e de Markus Krösche, diretor de esportes do clube. Foi feita uma proposta ao PSV, e Mario Götze voltou à Bundesliga por 5 milhões de euros para defender as cores do atual campeão da Liga Europa. Ele voltou porque quis mostrar ao mundo do futebol que, longe dos grandes holofotes da mídia esportiva alemã, lapidou seu talento e suas competências, além de fortalecer sua resiliência mental e sua condição física.
Demorou, mas embalou
Na atual temporada da Bundesliga, o Eintracht Frankfurt custou a firmar o pé. Sua primeira vitória no campeonato só veio na quarta rodada, com um triunfo dramático de virada e fora de casa sobre o Werder Bremen por 4x3. Antes, as "águias" amargaram uma derrota e dois empates. Coincidência ou não, foi nesse jogo que o quarteto ofensivo – Lindström, Götze, Kamada e Kolo Muani – deu um show de bola, especialmente na primeira etapa e no começo da segunda.
E foi também nessa partida que Mario Götze marcou seu primeiro gol pelo Eintracht, além de ter assumido o papel de líder em campo e fora dele. Fazia 982 dias que o meia-atacante não visitava o fundo das redes adversárias na Bundesliga. A última vez tinha sido na véspera do Natal de 2019 contra o Hoffenheim. Marcou o único gol aurinegro na derrota por 2x1.
Lenda viva do Eintracht Frankfurt, Charly Körbel (602 jogos na Bundesliga de 1972 a 1991) não duvida: "Mario veio para cá com o objetivo de alçar vôos mais altos, e o nosso Eintracht só tem a ganhar com isso".
O melhor de Götze ainda estava por vir na partida seguinte contra o RB Leipzig, pela quinta rodada do campeonato. Foi no último fim de semana. Quase 50 mil torcedores lotavam as dependências do estádio em Frankfurt, e o Eintracht, dono da casa, não se fez de rogado. Foi uma apresentação de gala durante todos os 90 minutos do jogo. Em nenhum momento administrou o resultado que lhe foi favorável desde os 20 minutos do primeiro tempo (2x0), e mais favorável ainda na segunda metade, quando sacramentou o placar final de 4x0. Pode-se dizer, sem medo de errar, que apenas as "águias" jogaram futebol de verdade, enquanto os "red bulls" só bufavam e nada mais.
Mario Götze foi o artífice desse triunfo, não apenas por alguns momentos, mas por todo tempo e percorrendo todo espaço do campo. Ele foi o principal destaque do time como um todo, mas também e principalmente do setor ofensivo. Correu 11,5 km, mais do que qualquer outro jogador em campo. Acertou 79% dos seus passes dados aos colegas. Venceu onze duelos individuais com seus adversários. Foi o iniciador da jogada que resultou no primeiro gol e participou também do terceiro gol. Entre uma jogada e outra, não se cansou de tratar a bola com muito carinho.
"É esse o Mario que queremos"
O comentarista de TV Lothar Matthäus não se conteve: "O futebol do Mario é assim: jogado com alegria e gana. É esperto e inteligente. Passes certeiros são sua marca. Durante o jogo toma quase sempre as decisões certas. É esse o Mario que conhecemos. É esse o Mario que queremos".
A pergunta que não quer calar e que agora está no ar: será que Götze voltará à seleção? Oliver Glasner, seu técnico no Eintracht Frankfurt, tem a resposta na ponta dos lábios: "Deixem o Mario ser apenas o Mario e deixem o Flick tomar suas decisões". De todo modo, o portal Kicker já "convocou" Götze por duas vezes para a seleção da rodada.
Para o jogador, pelo menos por ora, participar da Copa do Mundo não está no seu radar: "Não quero conversar sobre isso agora. Agora quero me concentrar 100% no clube".
Em resumo: agora Mario Götze só quer jogar futebol e demonstrar que, aos 30 anos, está dando a volta por cima. Para aqueles que torcem pelo bom futebol, está de bom tamanho.
Que venha então o novo Super-Mario!
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit é publicada às terças-feiras.
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