Após condenação, fonte do Wikileaks diz que quer virar mulher
22 de agosto de 2013"Eu sou Chelsea Manning, sou do sexo feminino." A declaração ameaça suplantar, pelo menos temporariamente, o escândalo de espionagem em que o ex-soldado do Exército dos Estados Unidos está envolvido desde 2010, e que culminou com sua recente condenação a 35 anos de prisão.
"Transitando para esta próxima fase da minha vida, quero que todo o mundo conheça meu eu verdadeiro", declarou Bradley Manning em comunicado lido na manhã desta quinta-feira (22/08) no programa Today, da rede de TV americana NBC.
"Dado o modo como me sinto e tenho me sentido desde a minha infância, quero começar a terapia hormonal o mais breve possível. Espero que vocês me apoiem nesta transição", apelou. "Também peço que, a partir de hoje, vocês se refiram a mim por meu novo nome e usem o pronome feminino."
Histórico de problemas
Numa sentença classificada por muitos como excessiva e de fins intimidatórios, Manning foi condenado na quarta-feira a 35 anos sob custódia militar, por haver entregado mais de 700 mil documentos confidenciais à plataforma de revelações Wikileaks.
Foi a punição mais severa por vazamento de informações oficiais jamais imposta nos EUA. O tribunal de Fort Meade também determinou a despensa desonrosa de Manning, após ele haver cumprido pena, possivelmente na mesma base de Fort Leavenworth, no Kansas, onde tem estado confinado.
Durante o processo, o ex-cabo de 25 anos de idade relatara ao tribunal sobre sua luta contra a homossexualidade durante o serviço militar no Iraque. Na base Hammer – onde serviu como analista de inteligência, de 2009 a 2010, e reuniu os documentos posteriormente vazados para o Wikileaks – Manning teve pelo menos quatro surtos violentos, quebrando computadores e tendo que ser contido pelos colegas. Em outra ocasião, golpeou uma soldado no rosto.
Os informes oficiais sobre os incidentes foram ignorados pelos oficiais superiores, pois o Exército precisava das aptidões de Manning como analista de inteligência. Depondo como testemunha de defesa, o sargento reformado Paul Adkins apresentou um e-mail intitulado "Meu problema", que o cabo lhe enviara em abril de 2010, quando o suboficial era seu supervisor administrativo.
Anexando uma foto de si, de peruca loura e batom, Manning escreveu: "Este é o meu problema. Tive sinais dele por muito tempo. [...] Pensei que uma carreira militar ia pôr fim nisso. Não é algo que eu procure para obter atenção. Estou tentando me livrar dele com toda força, me colocando em situações em que seria impossível. Mas a coisa não quer passar".
Os advogados de defesa caracterizaram a mensagem a Adkins como um indicador da crise de identidade de gênero de Manning, numa época em que soldados declaradamente homossexuais eram impedidos de servir.
"Ser quem nunca teve a oportunidade de ser"
De acordo com seu advogado, David Coombs, presente durante a leitura da carta aberta pela NBC, Manning preferiu esperar o veredicto do processo Wikileaks antes de fazer a explosiva revelação sobre sua transexualidade, a fim de não obscurecer o caso.
Indagado se seu mandante processaria o governo dos EUA, exigindo a aplicação de terapia hormonal e cirurgia transexual, Coombs respondeu: "Não sei quanto à cirurgia de mudança de sexo [...] Chelsea não indicou que seja este seu desejo, mas no que toca a terapia hormonal, sim".
"Estou torcendo para que Fort Leavenworth tome a decisão certa e proporcione isso", acrescentou." [Caso contrário] vou empreender tudo no meu poder, para forçá-los a fazê-lo".
O advogado negou que Manning tencione cumprir pena numa penitenciária totalmente feminina. "Acho que a meta final dela é estar confortável na própria pele e ser a pessoa que ela nunca teve a oportunidade de ser."
Nem terapia, nem perdão
No entanto, o Exército americano já indeferiu de antemão as pretensões de Manning e Coombs relativas à transexualidade do condenado. "Todos os internos são considerados soldados e tratados como tal, com acesso a profissionais da saúde mental, incluindo um psiquiatra, psicólogo, assistentes sociais e suboficiais especializados em ciência comportamental", declarou a instituição, através de um porta-voz.
Ainda durante a entrevista à NBC, David Coombs revelou que no início da próxima semana apelará ao presidente Barack Obama para que perdoe Manning ou comute sua sentença para o tempo já cumprido.
O jurista leu no ar um trecho da carta de Manning ao presidente: "Eu lamento se minhas ações feriram qualquer pessoa ou prejudicaram os Estados Unidos. Nunca foi meu intento ferir quem quer que seja".
Após ser preso, Manning disse que sua motivação para a revelação em massa fora expor irregularidades e provocar debate sobre os meios diplomáticos e as Forças Armadas dos EUA. A Casa Branca informou que o requerimento será considerado "como qualquer outro". No entanto, um perdão parece improvável.
O pedido de comutação conta com o apoio da ONG Anistia Internacional, com base no fato de o denunciante estar há mais de três anos atrás de grades, dos quais 11 meses "em condições descritas como cruéis ou inumanas pelo relator especial das Nações Unidas para tortura".
AV/afp/ap