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Até onde irão os protestos antilockdown na China?

William Yang Pequim
29 de novembro de 2022

Atos são desafio sem precedentes à política de Pequim de "covid zero". Endurecer repressão pode insuflar movimento, enquanto alívio de restrições poderia esvaziá-lo, segundo manifestantes e especialistas ouvidos pela DW.

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Pessoas de máscara à noite em rua. Um homem em primeiro plano ergue o braço.
Protestos põem Pequim frente a dilema: entre manter "covid zero" ou ceder às exigências do públicoFoto: HECTOR RETAMAL/AFP/Getty Images

Milhares de pessoas em cidades de toda a China, cansadas das rígidas políticas de "covid zero" do governo, estão correndo grande risco para expressar seu descontentamento nas ruas e nos campi universitários.

Enquanto a maior parte do mundo está aprendendo a conviver com o coronavírus, a China continua a impor bloqueios, a limitar a liberdade de movimento e a fechar estabelecimentos comerciais e industriais onde novos casos aparecem.

Uma recente alta das infecções por covid-19 em todo o país fez com que mais pessoas fossem sujeitas a restrições. E a frustração delas resultou na maior eclosão de protestos públicos ocorrida na China em décadas.

Alguns manifestantes chegaram ao ponto de pedir a queda do presidente Xi Jinping, em um raro desafio direto à sua liderança. Demonstrações coordenadas de desobediência pública são incomuns na China e um sinal da pressão que muitas pessoas vêm sofrendo devido a repetidos lockdowns.

Custo econômico da política de "covid zero"

Os manifestantes na capital, Pequim, disseram à DW que muitas pessoas perderam seus empregos e negócios durante a pandemia.

"Muitos têm hipotecas, mensalidades escolares de seus filhos e despesas médicas de familiares idosos. Não recebemos muitos subsídios do governo, e devemos arcar com a maior parte dos custos", disse um manifestante que pediu para ser identificado como Yang.

Outra manifestante, que se chama Wang, disse que as rigorosas medidas de controle da pandemia dificultaram o sustento das pessoas. "A situação atual na China é que os pobres ficarão mais pobres enquanto os ricos e o governo nunca se importarão com o nosso bem-estar. Precisamos de empregos para sustentar a família e pagar hipotecas", afirmou.

Mulher ergue folha de papel em branco para o alto, cercada de outras pessoas, todas usando máscara.
Manifestantes usam folhas de papel em branco como mensagem simbólica aos censores da ChinaFoto: HECTOR RETAMAL/AFP/Getty Images

Os repetidos lockdowns estão afetando a economia da China, com redução dos gastos dos consumidores e aumento do desemprego. Um dos lockdowns recentes atingiu a maior fábrica de iPhones da Apple, a Foxconn, na província de Henan, que fez trabalhadores irem embora e deve levar à suspensão da produção – um exemplo de como as cadeias de fornecimento internacionais também são afetadas pela abordagem da China para tentar deter a disseminação da covid-19.

No entanto, apesar dos protestos e das perturbações econômicas, há poucos sinais de que as autoridades de Pequim irão recuar da sua política de "covid zero" no curto prazo.

A política tem sido repetidamente elogiada pelo governo chinês como um modelo bem-sucedido de prevenção de pandemia e que salvou milhões de vidas.

Durante o 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, realizado em outubro, o presidente Xi reiterou que a China está empenhada em "colocar as pessoas e as vidas em primeiro lugar e aderir à dinâmica de 'covid zero'".

Entretanto, a narrativa de Pequim de que sua política sobre a pandemia foi aceita pelo público como um sucesso incontestável está sendo desgastada pela escalada dos atuais protestos.

"Antes de mais nada, a causa destes protestos é a frustração, pois as pessoas estão esperando há anos que as autoridades aliviem estas restrições e estão vendo e sentindo os efeitos destas restrições ao seu redor", disse Sophie Richardson, diretora da organização Human Rights Watch (HRW) na China.

"As pessoas querem ser livres e querem poder dizer algo sobre o que está acontecendo ao seu redor. Esse é um desejo muito humano e acho que é uma combinação desses fatores que fez as pessoas se manifestarem em números extraordinários", disse ela à DW.

"Nossas vidas poderiam ser destruídas por Xi"

O governo chinês respondeu à amplitude dos protestos aumentando o número de policiais nas grandes cidades. Barreiras e bloqueios de ruas estão sendo erguidos para impedir o acesso a locais populares de protesto. A polícia também está verificando aleatoriamente os telefones das pessoas nas ruas.

Apesar da repressão das autoridades, os manifestantes em Pequim disseram à DW que a coragem e a bravura demonstradas pelos manifestantes podem inspirar outros.

"Embora eu possa não ser corajosa o suficiente para participar diretamente dos protestos, ainda tento ficar ao lado deles para que os manifestantes saibam que não estão sozinhos", disse à DW uma mulher de Pequim que não desejava ser identificada.

"Nossa liberdade tem sido restringida há quase três anos, e muitas pessoas morreram devido aos desastres prolongados pela política de 'covid zero'. Se deixarmos essa situação continuar, nossa liberdade e nossas vidas poderiam ser destruídas por Xi Jinping e este governo. Poderíamos nos tornar as dez pessoas que morreram no incêndio de Urumqi", acrescentou ela.

Barreiras azuis em rua, ao lado de carro da polícia
Polícia colocou barreiras em locais de Xangai para evitar protestos Foto: Hector Retamal/AFP/Getty Images

Embora alguns manifestantes tenham exigido a queda de Xi, outros usaram formas mais sutis de expressar seu descontentamento. Levantar folhas de papel em branco nos protestos é uma mensagem simbólica aos censores da China, que procuram apagar qualquer mensagem de dissidência. 

"Também houve um protesto com papéis em branco na Rússia e isso é algo que está circulando", disse Jeff Wasserstrom, historiador da China moderna na Universidade da Califórnia, Irvine. "Se as autoridades se opuserem a folhas de papel em branco, isso se transforma em uma espécie de deboche."

Até onde pode ir o movimento?

A escalada dos protestos apresenta a Xi um dilema, pois ele é forçado a escolher entre manter a estratégia de "covid zero" ou ceder às exigências do público.

"Xi Jinping não quer acabar com a política de 'covid zero' porque, para ele, é uma questão de sua legitimidade política", disse o pesquisador chinês da área jurídica Teng Biao.

"Por outro lado, se a China continuar a manter a estratégia de 'covid zero', ela não só provocará raiva entre o povo, mas também causará enormes perdas para a economia chinesa. Isso representaria uma ameaça à política chinesa e à estabilidade política das autoridades", disse ele à DW.

Com os riscos crescentes enfrentados pelos cidadãos chineses, os manifestantes também têm visões diferentes sobre a perspectiva de o movimento seguir adiante.

O manifestante Yang disse que se Pequim decidir endurecer a repressão, isso poderia levar a uma maior resistência, o que poderia acabar causando conflitos violentos.

Por outro lado, Wang, também manifestante, afirmou que se as autoridades responderem com algum relaxamento das medidas contra a covid, poderá rapidamente esvaziar os protestos. "Acho que o movimento já se espalhou para cidades de segunda e terceira grandeza na China, já que muitos bairros estão organizando protestos por conta própria", disse. "Embora haja muitas demandas do povo agora, se as autoridades puderem aliviar as medidas de controle da pandemia em breve, a raiva do público irá diminuir muito."

Dali Yang, um cientista político da Universidade de Chicago, disse à DW que o presidente Xi enfrenta um momento crucial. Ele afirma que se Xi optar por uma abordagem mais dura contra os protestos, isso poderá afetar seu apoio popular e reforçar a crescente insatisfação com suas políticas e liderança.

"Xi poderia fazer algo diferente. Ele poderia usar a energia da insatisfação e do descontentamento e ajudar a China a fazer a transição para a próxima fase. Algumas decisões difíceis terão que ser tomadas, e acho que Xi terá que fazer uma escolha", disse o especialista.