Berlim quer resgatar restos do Muro
21 de abril de 2005É compreensível que um turista de passagem pela capital alemã se pergunte onde é que passava o Muro. Mais compreensível ainda é a destruição quase completa da faixa de 155 quilômetros de concreto e arame farpado que cortava a cidade. Ao menos do ponto de vista emocional.
Agora, mais de 15 anos após a queda do Muro de Berlim, a capital apresenta pela primeira vez um projeto destinado a resgatar e ressaltar as marcas da divisão da cidade. Nesta semana, o secretário de Cultura Thomas Flierl apresentou a primeira versão de um projeto que deve ser implementado até 13 de agosto de 2011 – quando o Muro de Berlim completaria 50 anos.
Do outro lado da rua, um outro país
O objetivo é encontrar uma maneira de costurar os diversos monumentos dedicados às vítimas do Muro e que se encontram isolados pela cidade. No centro do programa estão os restos preservados na região próxima à rua Bernauer Strasse. A área foi escolhida para ser o cerne da "paisagem memorial descentralizada" – um local historicamente carregado, que não à toa acabou se tornando símbolo da divisão alemã.
Lá, o Muro passava em frente a uma fileira de casas: os prédios pertenciam à Alemanha Oriental, enquanto a calçada era propriedade da Alemanha Ocidental. Nos primeiros dias após a construção do Muro, em 13 de agosto de 1961, muitos tentaram pular das janelas – com rumo à liberdade ou à morte.
Em 1998, foi erguido lá o primeiro monumento nacional dedicado às vítimas: um trecho intacto do Muro de 200 metros de extensão foi limitado por enormes paredes de aço. O novo projeto prevê que o complexo atualmente formado pela Capela da Reconciliação, diversos monumentos e um centro de documentação seja expandido até a estação ferroviária Nordbahnhof, a oeste, e ao Parque do Muro, ao norte.
Sem concorrência
Outras áreas próximas ao antigo Muro também serão reaproveitadas. A pedido do Parlamento alemão, por exemplo, serão preservados monumentos em memória das vítimas nas proximidades do Portão de Brandemburgo.
Para não criar concorrência em relação às instalações da rua Bernauer Strasse, eles serão dedicados à divisão alemã e à sua superação. Além do mais, os caminhos de paralelepípedos, que atualmente marcam o antigo percurso do Muro em certas localidades, serão ampliados.
O Muro e o muro
Em geral, o projeto de 29 páginas apresentado pelo secretário de Cultura agradou aos representantes dos principais partidos alemães, embora haja pontos de conflito. A oposição democrata-cristã critica, por exemplo, os planos para o antigo posto fronteiriço Checkpoint Charlie.
Lá foram instaladas, há alguns meses, mais de mil cruzes ao longo de um trecho fictício do Muro, reerguido sem qualquer correspondência histórica. A instalação faz parte de uma iniciativa de Alexandra Hildebrandt, coordenadora do Museu do Muro, uma instituição cultural privada situada diretamente em frente ao Checkpoint Charlie.
Com a expiração do prazo permitido para a instalação, o caso foi parar na Justiça. Hildebrandt se recusa a desmontar seu monumento particular. De acordo com o projeto apresentado pelo secretário, a instalação "não pode ser permanente". Afinal, o muro de Hildebrandt não corresponde a "experiências alemãs" e é "historicamente insatisfatório", diz Flierl, que, ao invés disso, planeja construir aí um museu da Guerra Fria para destacar o confronto entre as potências mundiais, do qual Berlim foi palco.
"Reavaliar o enfoque"
"O Muro continua sendo o símbolo da repressão na RDA [República Democrática Alemã] e em todo o bloco comunista", disse Flierl, aliviando céticos que temiam que o político do Partido do socialismo Democrático (PDS), sucessor do partido comunista da RDA, pudesse relativizar o papel histórico do Muro. "Mas, com sua superação pacífica vinda do Leste, ele se tornou ao mesmo tempo símbolo de um movimento democrático e libertário sem igual na história alemã."
Mesmo assim, houve críticas por parte de acadêmicos e especialistas. O historiador Manfred Wilke, da Universidade Livre de Berlim, critica a omissão do pano de fundo histórico. "Faltam os atores políticos, os agentes do crime. Não fica claro por que é que o partido precisava de qualquer forma construir esse muro. Não adianta apenas expandir, é preciso reavaliar o enfoque."
Para Markus Meckel, da Fundação de Reavaliação da Ditadura do Partido Socialista Unitário Alemão (SED), "essa questão não deveria ser deixada apenas ao cuidado de protetores do patrimônio histórico".