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Cinema gay

20 de outubro de 2010

Em sua edição de 2010, festival na cidade alemã nunca teve tantos filmes latino-americanos, entre estes, vários brasileiros. A proposta é expor uma imagem do Brasil "para muito além dos clichês".

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'Elvis and Madona', de Marcelo LaffitteFoto: Quelle Verleih

O salvamento espetacular dos 33 mineiros soterrados no deserto de Atacama tem todos os ingredientes que a indústria cinematográfica procura na hora de produzir um filme de inspiração documental: drama, suspense e um final de feliz, com um toque político e episódios românticos com aspectos tragicômicos. Nos dias que antecederam ao resgate de Yonni Barrios, o 21° operário a sair da mina de San José, não faltaram piadas a respeito da briga protagonizada por sua esposa e sua amante na superfície.

Ainda que a vida amorosa de Barrios não tenha sido a única a vir à tona enquanto os trabalhadores encontravam-se debaixo da terra, sua situação atraiu a atenção da mídia por ser a de um personagem real e de destaque e não a de um "ator de elenco": Barrios ficou registrado na memória como "o" mineiro que velava pela saúde de seus companheiros. Mas, se no lugar de duas mulheres esperando por ele do lado de fora, estivessem dois homens, ou seja, esse Don Juan salva-vidas fosse gay, será que ele teria a mesma possibilidade de se converter em um herói cinematográfico?

Leos room Lesbisch Schwulen Filmtage Hamburg 2010
'El cuarto de Leo', do uruguaio Enrique BuchichioFoto: Quelle Verleih

"É muito provável que sim", opina Joachim Post, um dos organizadores do Festival de Cinema Lésbico e Gay de Hamburgo, que acontece até o próximo domingo (24/10), na cidade localizada no norte da Alemanha.

"O número cada vez maior de filmes com temática queer ou GLBTI (sigla que alude a gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, transgêneros e intersexuais) rodadas na América Latina sugere que, na região, está havendo uma mudança de atitude diante da identidade do gênero e do homossexualismo", completa Post.

Falta de reconhecimento "em casa"?

Correndo o risco de se perpetuar o estereótipo de uma América Latina homogeneamente machista, cabe perguntar se essa ascensão do "cinema queer" não se deve mais às possibilidades que a globalização oferece a alguns diretores latino-americanos de mostrarem suas obras em lugares onde a diversidade sexual já deixou de ser tabu, ao contrário do que acontece em seus respectivos países de origem. "As circunstâncias variam de um caso para outro, mas os filmes que mostramos este ano já foram exibidos com relativo êxito em seus países de origem", confirma Post.

O co-organizador do festival em Hamburgo cita como exemplo El cuarto de Leo, do uruguaio Enrique Buchichio, e Contracorriente, de Javier Fuentes-León, calorosamente acolhido tanto no Festival de Sundance em 2010 – onde recebeu o prêmio do público – quanto no Peru, onde foi rodado.

"Por outro lado, o reconhecimento internacional de alguns diretores é a única coisa que permite a eles obter financiamento para seus projetos cinematográficos, porque, em seus países, seus filmes não têm sucessos de bilheteria", aponta Post.

Last summer of La Boyita Lesbisch Schwulen Filmtage Hamburg 2010
'El último verano de La Boyita', com direção da argentina Julia SolomonoffFoto: Quelle Verleih

Mais filmes em espanhol e português

Criado em 1989, o Festival de Hamburgo é o mais antigo do gênero entre os que se realizam anualmente na Alemanha e está entre os quatro mais importantes da Europa, junto ao GLBTI de Londres – o maior do continente –, e aos festivais gays realizados em Turim e em Copenhague.

"Desde 2005, nosso festival vem rompendo com seu próprio recorde de público: há cinco anos, tínhamos 12.600 espectadores. Em 2009, registramos 15.200", comenta Christoph Reiffert, assessor de imprensa do festival.

A América Latina tem sido já há algum tempo um dos pontos fortes da programação, embora nunca tão intensamente como em 2010, ano em que se registra um grande número de filmes em espanhol e português.

Além de Contracorriente e El cuarto de Leo, destacam-se os longas do Chile (31 minutos, la película, de Pedro Peirano e Álvaro Díaz), da Espanha (Nacidas para sufrir, de Miguel Albaladejo) e a coprodução franco-hispano-argentina intitulada El último verano de La Boyita, dirigida por Julia Solomonoff.

Destaque para o Brasil

Paulista Lesbisch Schwulen Filmtage Hamburg 2010
'Paulista', de Roberto MoreiraFoto: Quelle Verleih

A ampla oferta de curtas reflete a diversidade de pontos de vista a partir dos quais uma nova geração de cineastas está abordando o tema da identidade sexual e suas múltiplas facetas –erótico-afetivas, existenciais, sócio-políticas – na América Latina e na Península Ibérica.

Aos curtas espanhóis La espinita, de Tania Arriaga Azkarate, e Pasajero, de Miguel Gabaldón, somam-se ainda o argentino Amor crudo, de Martin Deus e Juan Chappa, e o venezuelano Derrida se ha metido en nuestra cama, de Rodolfo Graziano.

O Festival de Cinema Lésbico e Gay de Hamburgo 2010 dedica também boa parte de sua programação a filmes brasileiros, entre eles Paulista, de Roberto Moreira, Elvis & Madona, de Marcelo Laffitte, Dzi Croquettes, de Raphael Alvarez e Tatiana Issa (coprodução Brasil-Estados Unidos), Os famosos e os duendes da morte, de Esmir Filho (coprodução franco-brasileira) e diversos outros curtas que prometem atrair a atenção dos espectadores.

Pontos fortes

Do ciclo brasileiro do festival participam Um par a outro, de Cecilia Engels; Na madrugada, de Duda Gorter; Depois da curva, de Helton Paulino; Professor Godoy, de Gui Ashcar; Suspeito, de Eduardo Mattos; e Depois do almoço, do diretor Rodrigo Diaz Diaz.

"É difícil para nós, organizadores do festival, chegarmos a um acordo no que diz respeito ao 'ponto forte' deste ano, mas, pessoalmente, acredito que Contracorriente e Elvis & Madona sejam os filmes de maior destaque”, admite Post.

Undertow Lesbisch Schwulen Filmtage Hamburg 2010
'Contracorriente', estreia na direção do peruano Javier Fuentes-LeónFoto: Quelle Verleih

"Com uma narrativa semelhante à de uma novela de televisão, Elvis & Madona gira em torno do amor que uma lésbica desperta em um transexual. E Contracorriente já foi descrito mais de uma vez como o Brokeback mountain do Peru, mas penso que isso se refere à capacidade deste filme de atrair um público não exclusivamente homossexual, graças ao poder de sua narrativa e à universalidade de seu roteiro: o mais relevante não é que os protagonistas do filme sejam um homem bissexual e um gay, mas sim o fato de a história ser muito bem contada", acrescenta Post.

Visitantes de além-mar

O festival em Hamburgo conta com a presença dos diretores brasileiros Marcelo Laffitte (Elvis & Madona) e Raphael Alvarez (Dzi Croquettes), e de Suzy Capó, que participou das filmagens de Paulista e dirige o MixBrasil, um dos festivais de cinema e vídeo sobre diversidade sexual de maior peso no mundo.

Autor: Evan Romero-Castillo (sv)

Revisão: Carlos Albuquerque