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Chile vai às urnas dividido sobre nova Constituição

3 de setembro de 2022

Pesquisas apontam vitória do "não" para o novo texto que substituirá documento da época da ditadura de Augusto Pinochet. No entanto, grande parcela de indecisos pode virar o jogo no plebiscito deste domingo.

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Mão segura um livreto roxo. Ao fundo, uma mulher com uma pilha de outros livretos.
Quiosque distribui cópias gratuitas da proposta de texto da nova Constituição chilenaFoto: Claudio Abarca Sandoval/NurPhoto/picture alliance

Com a opinião geral de que a atual Constituição, redigida durante a ditadura de Augusto Pinochet em 1980, deve ser alterada, os chilenos participam neste domingo (04/09) de um plebiscito sobre o novo texto, divididos entre aqueles que o veem como uma oportunidade histórica para recuperar direitos e aqueles que acreditam que ele restringe liberdades.

A votação dará continuidade a um processo iniciado em outubro de 2020, quando quase 80% da população chilena votou a favor de uma nova Constituição. O processo constituinte foi o mecanismo institucional que os partidos políticos chilenos encontraram para conter a onda maciça de protestos contra a desigualdade que eclodiu no final de 2019, com confrontos e saldo de 30 mortos e milhares de feridos. Para tanto, foi criada uma Convenção Constitucional composta por 154 representantes em base paritária - algo sem precedentes no mundo - e cadeiras reservadas aos povos indígenas. 

Agora, neste domingo, se a maioria votar pela rejeição do texto, será um sinal de que um outro processo constituinte terá que ser feito – compromisso assumido tanto por setores da esquerda quanto da direita, independente do resultado. Já se o texto for aclamado por maioria, regras transitórias terão que ser aplicadas até a entrada em vigor da nova Carta.

Pesquisas apontam para vitória do '"não"

Até agora, pesquisas de opinião têm indicado tendência de rejeição ao novo texto, embora a parcela de indecisos, em média 15%, possa mudar esse quadro.

Os defensores do "sim", que se concentram na esquerda e parte do centro, afirmam que o novo texto ajudará a tornar o país "mais justo", porque consagra um grupo de novos direitos sociais. Os opositores, por sua vez, estão na direita e em outra parte do centro e argumentam que se trata de um texto "radical" e que "não une o país". 

O caráter plurinacional do Estado, reconhecendo povos indígenas como parte da composição do país, a reeleição presidencial, o sistema de justiça, a eliminação do cargo de senador vitalício, são alguns dos pontos que mais geram controvérsia. 

Apesar de nas últimas semanas várias pesquisas terem dado como favorita a opção "Rechaço", a deputada comunista Karol Cariola mostrou-se otimista com a aprovação do projeto, considerando-o "uma oportunidade histórica" para recuperar recursos e garantir direitos fundamentais.

"Esta nova Constituição concretiza a recuperação de recursos naturais como a água, a proteção dos rios, e também a saúde, a educação, a habitação, as aposentadorias e o reconhecimento do trabalho doméstico, que é feito principalmente por mulheres, que nem sequer na atual Constituição são mencionadas, mas que são reconhecidas em direitos e oportunidades na nova", disse a deputada à agência de notícias Efe.

"Aqui está um processo que foi constituído democraticamente, numa base paritária, uma conquista que hoje muitas mulheres reivindicam com força, porque se trata de nos entendermos como iguais, iguais aos homens, que têm geralmente experimentado privilégios como resultado de um sistema patriarcal, mas hoje estamos começando a nivelar o campo de jogo", acrescentou.

Muitas pessoas em uma manifestação
Campanha contra e a favor do texto tomou as ruas chilenas nos últimos diasFoto: Luis Hidalgo/AP Photo/picture alliance

Segurança Pública

Uma das críticas mais recorrentes dos setores que rejeitam a Carta Magna é que "ela não cuida da segurança", uma das principais exigências da sociedade chilena, como resultado do aumento de crimes violentos nos últimos tempos. Porém, Cariolo garante que é um problema "que não tem nada a ver com uma Constituição ou um governo, mas com o tipo de sociedade que estamos construindo".

"Uma sociedade sem oportunidades, onde parece que o que prevalece é a violência. São situações de insegurança social que levam à violência e, portanto, ao crime. As pessoas têm o direito de viver uma vida livre de violência, e esta Constituição estabelece esse direito, pela primeira vez, já que se encarrega do direito à segurança pública", disse.

"A nova Constituição é um avanço na linha de reconhecer que todas as pessoas, independentemente de sua origem social e de onde vivem, têm esse direito [à segurança pública]. A falta de equidade territorial na distribuição de recursos também é um dos problemas, e o texto se encarrega de estabelecer uma distribuição equitativa das forças policiais", destacou.

Por sua vez, os opositores do novo texto consideram que ele "restringe liberdades", "não tem freios e contrapesos" e faz o "Estado passar por cima" dos cidadãos, conforme explicou Claudio Salinas, ex-militante da ultraconservadora União Democrática Independente (UDI) e um dos porta-vozes da "Casa do Cidadão do Rechaço", que reúne dezenas de organizações sociais.

Para contrários, cidadãos não foram ouvidos

Salinas considera que a convenção que passou um ano elaborando a nova proposta de Constituição "não deu ouvidos aos cidadãos".

"Participamos das audiências públicas, nas quais havia um mecanismo bastante aleatório e questionável para definir quais organizações estavam presentes", disse o advogado, antigo assessor do ex-presidente Sebastián Piñera.

"Nomeamos mais de 50 organizações para fazer parte destas audiências, e apenas duas ou três foram selecionadas", acrescentou.

Ele alegou que sua corrente promoveu iniciativas sobre questões de segurança, saúde, educação e pensões.

"Lamentavelmente, todas e cada uma foram rejeitadas pela convenção, algumas delas nem chegaram ao plenário", afirmou.

Restrição de liberdades

De acordo com Salinas, a nova Constituição carece de "contrapesos fundamentais para uma democracia estável", citando como exemplo a eliminação do Senado: "As instituições que criaram um bom desenvolvimento do país são privadas de destaque".

"Restringe certas liberdades. Uma Constituição deve dar as linhas gerais sobre as quais vamos continuar trabalhando e garantir que o Estado não vai passar por cima dos cidadãos", acrescentou.

Para Salinas, a forma de rejeitar e continuar com o processo constituinte, com o qual diz concordar, é "criar o quanto antes um grande acordo político cidadão para gerar essas mudanças que o Chile precisa hoje”.

Embora Karol Cariola acredite que se a proposta for rejeitada haveria um cenário de "total incerteza", Salinas acredita que o processo constitucional vai continuar e que será preciso "criar um grande acordo político cidadão o mais rápido possível" para gerar as mudanças que o país precisa.

Boric viajar para votar

O presidente chileno, Gabriel Boric, favorável à aprovação da nova Constituição, viajou na sexta-feira para sua cidade natal, Punta Arenas, a mais de 3 mil quilômetros ao sul de Santiago, para poder votar logo no início da manhã de domingo e voltar em seguida ao Palácio La Moneda. 

"Que sejam os chilenos e as chilenas que, pela primeira vez, decidam democraticamente sobre o conteúdo e a forma de uma nova Constituição é um fato que sem dúvida, aconteça ou que acontecer no domingo, é algo que transcenderá", afirmou. 

"Confio na sabedoria do povo do Chile", acrescentou o presidente. 

Os centros eleitorais, que receberão segurança de mais de 26 mil militares, funcionarão das 8h (horário de Brasília) às 18h.

"Está tudo em ordem, e as Forças Armadas estão se mobilizando para assumir o controle dos locais de votação nas próximas horas, para que todas e todos tenhamos um bom processo", garantiu neste sábado a ministra da Defesa, Maya Fernández. 

A integrante do governo percorreu, junto com outras autoridades, o Estádio Nacional, em Santiago, um dos maiores centros de votação do país, que poderá receber até 13 mil eleitores. 

le (EFE, ots)