"Ciclo do lulismo se esgotou", diz sociólogo
7 de maio de 2016O plenário do Senado decidirá, a partir da próxima quarta-feira (11/05), se instaura o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. E, com a necessidade de apenas uma maioria simples dos votos para que o processo avance, a tendência é que ela seja afastada do cargo.
Para o sociólogo Sérgio Costa, do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim, vários fatores acabaram levando à derrocada do governo Dilma, o principal deles o esgotamento do modelo conhecido como "lulismo”, agravado por esquemas de corrupção e um processo de impeachment que, segundo ele, é uma farsa.
De acordo com Costa, a atual disputa envolvendo o impeachment não seria mais para salvar a presidente, mas sim definir quem liderará a oposição a um eventual governo Michel Temer.
DW Brasil: Em análise recente, você afirma que o Brasil viveu, entre 2003 e 2013, período chamado por cientistas políticos de lulismo, um momento de transformações e prosperidade. Mas, a partir de 2014, esse modelo entrou em colapso. O que deu errado?
Sérgio Costa: Um dos problemas que estavam implícitos a esse modelo é fundamentalmente o fato de que houve uma aposta muito forte na exportação de commodities. Esse foi o primeiro ciclo de desenvolvimento no Brasil que não foi baseado na substituição de importações. Houve o que os economistas chamam de "reprimarização", ou seja, a volta para exportação de produtos agrícolas e matérias-primas. Isso causa um problema estrutural, na medida em que um país que investe nesse modelo perde competitividade industrial. Houve um crescimento grande do mercado interno, mas esse crescimento não serviu para beneficiar a indústria brasileira. A política econômica baseada na exportação de matérias-primas é uma política de curto prazo, e com a diminuição do preço de matérias-primas no mercado internacional, a economia cai.
E quais são os outros problemas do lulismo?
O segundo problema é político. Há um certo tipo de articulação parlamentar nesse modelo, basicamente a continuação da forma existente anteriormente, na qual há negociação direta com deputados sobre o que eles querem para apoiar o governo, mas não há propriamente uma formação de maiorias através de um programa. É uma negociação ao varejo. O governo petista sempre precisou fazer alianças individuais com os deputados. O espaço para essa negociação no varejo deixou de existir a partir de 2013, devido às investigações de corrupção que foram ficando cada vez mais dramáticas, sobretudo em 2014. Assim, a sustentação política do governo dentro do Congresso ficou impossibilitada pelas investigações de corrupção.
Além do colapso desse modelo, há outros fatores que contribuíram para a derrocada do governo Dilma Rousseff?
Outro fator que seguramente contribuiu foi o fato de muitos deputados a favor do impeachment estarem envolvidos em processos de corrupção. A expectativa deles ao oferecer, digamos assim, a cabeça da Dilma de prêmio para quem está lutando contra a corrupção, é cessar a sede dos brasileiros pelo combate a corrupção. Ao entregar a cabeça de alguém tão importante quanto a própria presidente, espera-se que as pessoas se acalmem, e isso garante que os corruptos que votaram pelo impeachment continuem impunes. Já a expectativa política é que um governo Temer consiga conter a fúria investigativa da chamada "República de Curitiba".
Como você enxerga o processo de impeachment?
O processo de impeachment é o que deprime qualquer pessoa que tem o mínimo de sensibilidade política, não só pelo espetáculo grotesco que foi a votação da aceitação do impeachment na Câmara. Ali, basicamente, o que mais me chocou foi o autorreferenciamento e narcisismo daqueles representantes, que não estão lá para falar em seu nome, mas para representar uma parcela da sociedade. Aquele momento, como momento síntese do processo de impeachment, é expressivo para o que é esse processo como um todo.
Há uma peça de acusação, motivada pelas pedaladas fiscais. Na votação nenhum deputado mencionou a acusação. Cria-se um rito para saber se a acusação tem procedência ou não, e as pessoas votam motivados por outras razões. Cria-se uma farsa de procedimento para justificar a deposição de alguém por outras razões.
No atual cenário, um possível afastamento de Dilma seria mais positivo ou negativo para o país?
No atual cenário, o afastamento é negativo. Primeiro porque esse afastamento está sendo feito sem que a população esteja convencida de que é legítimo. Além disso, o vice-presidente não tem nenhuma experiência executiva e tem um enorme histórico de negociatas dentro da Câmara. É difícil acreditar que ele consiga promover a conciliação e reunião de forças que o Brasil precisa. Imagina-se que seu governo vai ser tão desastroso ou mais do que foi o segundo governo Dilma.
Quais são as alternativas ao lulismo?
O lulismo estabeleceu um padrão onde havia crescimento econômico, finanças públicas controladas, sem aumentar o déficit público, e ao mesmo tempo promover uma distribuição de renda. Mas isso só funcionou quando a economia estava crescendo, sem que uma classe perdesse economicamente para que outra ganhasse. Esse ciclo está esgotado.
A alternativa apresentada por Temer é uma política fiscal mais restritiva ainda, ou seja, gastar menos. Porém, gastar menos não vai gerar mais crescimento, vai encolher ainda mais o mercado interno, e isso não vai fazer aumentar a produtividade da indústria brasileira. Como fórmula de promover o crescimento econômico, o lulismo não funciona mais, e não existe ainda outro modelo capaz de substituí-lo.
Que caminhos restam à esquerda no Brasil?
As disputas que estamos vendo agora não são necessariamente para salvar o mandato da Dilma, porque nem os mais esperançosos creem que ainda é possível salvá-la. A disputa é exatamente para saber quem liderará a oposição ao governo Temer e será a esquerda no Brasil: o PT, que nos últimos anos foi de alguma maneira o ator hegemônico da esquerda; ou outras forças, como o Psol, ou até mesmo forças não partidárias, que surgem no seio da sociedade civil.
Qual seria o programa da nova esquerda?
O programa não pode ser obviamente mais a volta do lulismo. Outro programa terá que ser inventado e isso dependerá do ator que assumir a hegemonia de esquerda no país. Se for o PT, seguramente insistirão na volta do lulismo, o que acho que é um beco sem saída. Se for outro setor, pode ser que insistam em maior participação do Estado na produção de bens públicos, com uma boa escola pública, uma boa saúde pública. Pode ser que essa seja a alternativa que prevalecerá.